Comandante do Boeing 777 da Latam realiza último voo e fala de sua trajetória.

Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Foram precisamente 26.520 horas como piloto no comando de uma aeronave até que um grande ciclo se encerrasse na carreira do Comandante Francisco Conejero Perez.

Aos 65 anos, o comandante Perez, como era conhecido na Latam Brasil, se despediu dos voos internacionais no Boeing 777-300ER e foi recebido com festa pelas bases em que visitou. Tudo isso porque, além de ‘colecionar’ o comando de aeronaves icônicas na companhia, como comandante e instrutor, ele também foi uma pessoa chave na empresa aérea, tendo ajudado o Cmte. Rolim Amaro a consolidar as bases da gigante que vemos hoje. Um de seus legados são os cursos de formação e especialização na companhia, que viraram referência em treinamento de pilotos no Brasil.

Seu doutorado, na área de Administração e Gestão de Pessoas, mostra que não há limites no ímpeto de melhorar e ensinar, mesmo quando já se é referência. Além disso, especializou-se nas áreas de pedagogia e administração, também pós-graduado em transporte aéreo na FGV, e em Segurança de Voo e Aeronavegabilidade Continuada, no ITA. O mais interessante, e que representa um exemplo de realização, é que ele construiu tudo isso em meio à sua escala de voos, em 32 anos de Latam, sendo mais de 18 como instrutor de voos internacionais e comandante master. Atualmente, o comandante é professor do curso de Aviação Civil na Universidade Anhembi Morumbi.

Essa história só está começando: O comandante Perez nos recebeu na sede da Latam Brasil, em São Paulo, para um bate-papo rico e agradável. Ele dá dicas e conselhos para quem está iniciando a carreira na aviação e compartilha suas experiências desde os primórdios da maior empresa aérea da América Latina. Dos aviões da frota da empresa, ele voou quase tudo, do Embraer 110 Bandeirante ao Boeing 777.

Acompanhe!

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Fokker F27

 

Sabemos que no início não foi nada fácil. Como foi saber que um dia poderia entrar para a aviação?

Ser piloto era algo que nunca havia passado pela minha cabeça. Tive uma infância muito humilde. Já na juventude, encontrei uma vez um panfleto que falava sobre o ingresso na FAB; ser militar naquela época era uma boa coisa, pois o governo era militar e decidi por esse caminho. Aos 19 anos (em 1969), depois de dificuldades com o exame médico e sem condições financeiras, ingressei na Força Aérea Brasileira. Em Guaratinguetá, na escola da FAB, consegui a especialização de mecânico de voo, foi isso que abriu as portas da aviação. O meu primeiro avião como tripulante foi o B-25, um bombardeiro da segunda guerra mundial, eu era mecânico de voo e assim realizei por volta de 1.200 horas. Eu sempre conto essa história em sala de aula para despertar a motivação em meus alunos.

 

E os primeiros passos na carreira de piloto?

Num certo momento, a base aérea de Natal teria sua primeira turma de formação de pilotos e, em algumas oportunidades, fui convidado a participar de voos no Cessna T-37C, que era utilizado para o treinamento avançado naquela época; eu gostei e achei que aquilo poderia dar certo. Parti para Curitiba e algum tempo depois saí da Força Aérea e me juntei ao Aeroclube do Paraná por algum tempo. Já havia voado por mais de cinco anos em Londrina quando concorri a uma vaga na TAM. Cheguei na companhia, fui entrevistado e me disseram que tinha vaga apenas para a Base de Manaus; não hesitei e aceitei, apesar do desafio: copiloto do Bandeirante. Isso foi em 1985.

 

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Início na aviação

 

Como foi seu início na TAM?

Naquele momento a TAM possuía 4 Fokker-27 e 12 Embraer 110 Bandeirante com base em São Paulo. Era uma companhia puramente regional, com voos para o interior de São Paulo e Mato Grosso. Com o tempo e a experiência, me tornei comandante, instrutor e chefe de equipamentos. Segui o caminho normal. Fiquei dois anos no Fokker-27, depois voei o Fokker-50. Tivemos um serviço de ponte aérea chamado “Primeira Classe”, na rota Rio-São Paulo, um atendimento impecável. Com a chegada de novas concessões de linha, apareceram outros destinos, como Belo Horizonte, Curitiba e Uberlândia.

 

No década de 90, o Fokker 100 teve seu auge, tendo a companhia brasileira como ‘porta-bandeira’ a nível mundial. Como foi viver essa época?

Nele [Fokker 100] também me tornei comandante e instrutor, após realizar toda a bateria de cursos na Holanda. Voei bastante tempo nele, no momento em que a companhia chegou a ser a maior operadora desse equipamento no mundo. Além de ter sido nosso carro-chefe por muitos anos, o Fokker 100 ajudou a levar o nome TAM para todos os cantos do país.

 

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32 anos de Latam

E logo a TAM iniciaria sua jornada internacional de longa distância, com a chegada dos Airbus A330. Qual a sua experiência com essa aeronave?

Sim, em 1998, fui um dos primeiros a recebê-lo. Minha primeira rota foi para Miami. Para nós, foi um grande salto tecnológico em termos de equipamento, uma excelente aeronave, que já contava com os sistemas fly-by-wire muito avançados.

Mas nada se compara ao momento em que a TAM adquiriu, em acordo com a Boeing, os MD-11, que em termos de filosofia de voo, era bastante diferente dos já avançados A330.

 

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A330-200 com pintura comemorativa da Copa do Mundo

 

O MD-11 é um avião que enche os olhos de qualquer pessoa…

Quando se fala de MD-11 já para tudo né (risos). O status que a aeronave tem te eleva a outro nível. Tem muito motor e imponência, porém não é uma aeronave que permite erros, é feita para profissionais. Muito bom de voar. Vivemos um contraste de aeronaves que ainda eram projetadas na prancheta, enquanto o A330 já era todo modelado no computador.

Ele ficou na TAM por um tempo, enquanto a Boeing produzia o nosso pedido dos B777. Após cerca de dois anos recebemos o pioneiro dos triplo-sete, o PT-MUA.

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MD-11

 

Como foi receber essa aeronave fantástica, que inclusive foi objeto de uma matéria nossa: Boeing 777 – o estado da arte da indústria aeronáutica?

Eu vi essa matéria. É o melhor avião do mundo. Acredito que não vão conseguir superar esse projeto. O maior bimotor do mundo, complexo, comenta-se que é um avião ‘fácil’ de pilotar, o que é estranho de se falar, pois acredito que toda máquina merece respeito. Não existe avião “fácil”.

Também fui honradamente um dos primeiros convidados a assumir a nova frota, que teve inicialmente 4 aeronaves (são 10 atualmente). Estudamos bastante durante os cursos iniciais na própria Boeing. Nesses oito anos de operação, me tornei checador do equipamento e instrutor de rotas, inclusive de simulador. Ele chegou na hora certa para a companhia, foi um sucesso total.

 

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Boeing 777-300ER

 

Como você se sente por ter voado tantas máquinas incríveis e ter alcançado tantos objetivos e conquistas na carreira?

Olha, é uma honra muito grande. Aqui na TAM as coisas foram feitas muito no sacrifício; nunca foi assim tão fácil. Nós construímos a empresa, todos se sentiam donos e esse era o segredo. Algumas vezes passávamos 24 horas trabalhando e tudo foi acontecendo, com grande dedicação. O trabalho seguia muito além do cockpit e da cabine de passageiros. Vivi essa época em que os próprios pilotos abasteciam a aeronave. Mesmo assim era tudo feito com muito entusiasmo e alegria. A tripulação era envolvida em torno da filosofia do “tapete vermelho”, pois estávamos conquistando o mercado. O comandante Rolim dava a liberdade para crescermos junto com a empresa e aconselhá-lo em suas direções, um profissional impecável. Essa aqui é como se fosse minha casa.

 

Já dá para falar em saudades?

Ainda não consigo falar em saudades. Fiz o último voo recentemente, quem sabe daqui alguns meses vou parar e pensar, ‘poxa vida, poderia fazer um voo pra Frankfurt agora’ (risos). Fiz uma sequência de despedida e passei em todas as bases internacionais, onde deixei muitas amizades.

O que mais me marcou foi a homenagem das minhas filhas, que viajaram muito comigo. Minha filha Beatriz disse que vai sentir uma falta gigante de ser recebida na porta do avião e de escutar durante o voo ‘aqui quem fala é o Comandante Perez’. Elas fizeram lindas homenagens.

 

O que você diz a quem está iniciando a carreira e/ou quer prosperar em sua trajetória?

Nós devemos sempre estudar, se aperfeiçoar. No início da nossa formação, perdemos fins de semana e feriados estudando e nos dedicando, mas no futuro isso vai te trazer uma recompensa. Acreditar sempre no futuro, acreditar que vai chegar lá na frente muito bem. Agarrar todas as oportunidades. O jovem tem que aproveitar todo o tempo que tem disponível em prol de seu conhecimento. Sonhar é uma coisa muito importante e que faz diferença; lá na década de 70 eu jamais imaginava chegar até aqui.

 

Recebendo a medalha de mérito Santos Dumont
Recebendo a medalha de mérito Santos Dumont

O comandante trilhou um importante caminho administrativo e pedagógico dentro da companhia, que desde o Bandeirante se viu em sala de aula com diversos pilotos criando métodos de ensino e capacitação, implantando procedimentos com que formam os aviadores, ministrando cursos de aprimoramento, equipamentos e performance de aeronaves, algo que foi objeto de reconhecimento da ANAC, levando os ensinamentos para outras companhias. Sempre esteve a frente de formação de instrutores e comissários na Academia de serviços da TAM, como coordenador pedagógico, sendo formador dos mais de 400 instrutores de voo na companhia.

Diante disso, procurou especialização acadêmica graduando-se em pedagogia, Mestre em educação pelo Mackenzie (SP) e Doutor em administração com foco em gestão de pessoas, sendo a última concluída em Montevideo, na Universidad de la Empresa (UDE). Tudo isso ajudou a implantar a cultura organizacional da companhia, objeto que foi assunto de seu mais novo livro “Cultura Organizacional e Gestão Estratégica – A cultura como recurso estratégico”, que já está em sua segunda edição. Esse impulso pela busca de conhecimento e novos desafios é um dos grandes segredos.

Nós temos grande honra em compartilhar brevemente essa história, também como uma homenagem ao Comandante Francisco Conejero Perez, que é impossível de não ser admirado por sua disposição e vontade de realização. Inspirando e ensinando as novas gerações com sua característica humildade. Desejamos que continue tendo sucesso em seus projetos, ensinando e carregando essa bagagem de conhecimento em prol da aviação brasileira.

Agradecimentos  ao Cmte. Francisco Conejero Perez. Pela gentileza de sempre.

Ninguém acredita quando conto sua história, como você começou essa trajetória linda e que é emocionante escutá-la: de um ferro velho, para uma caminhada de casa até o Campo de Marte apenas com a roupa do corpo, e por fim, Comandante Master do B777. Acho que você nem imaginava o potencial que tinha, diante de tantas negativas e obstáculos que a vida impôs, para que qualquer um que não tivesse fé e dedicação sem dúvidas não seguiria nem a metade do caminho que você trilhou. Hoje foi emocionante ver meu pai, que desde antes de eu nascer já era piloto, fazendo seu último pouso internacional.

Filhas do comandante Nathalia, Beatriz, Fernanda e Ana Paula.

 

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Fokker 100

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