O Custo Brasil na Aviação: Segurança em alta e rentabilidade em baixa

ESPECIAL

Texto por Carlos Martins, Pedro Soares e Iago Costa

Desde o advento do avião em 1906 por Santos Dumont, a aviação brasileira sempre foi um dos grandes expoentes da aviação mundial, seja pelas inovações feitas pela Embraer, pela grandeza da pioneira Varig, ou ainda por possuir a segunda maior frota de aeronaves no mundo, atrás apenas dos EUA.




Os números não mentem: foram transportados 117,8 milhões de passageiros apenas em 2015, número recorde equivalente a mais da metade da população do Brasil no mesmo ano. E da mesma maneira que mais pessoas voam, a segurança aumenta. Desde 2012 o número de acidentes tem se reduzido ano após ano segundo o CENIPA, e o Brasil é o quarto país mais bem avaliado em segurança operacional da aviação segundo a ICAO – Organização de Aviação Civil Internacional.

Mas, apesar do baixo número de acidentes e alto número de passageiros, desde 2011 as empresas aéreas brasileiras não vêm obtendo lucro líquido. A constante mudança de regulamentações, e a instabilidade da moeda com alta depreciação nos últimos anos, aliadas à alta tributação e interferência de orgãos não competentes, como prefeituras e governos estaduais, têm sido fatores ativos para um prejuízo histórico na aviação brasileira, em contraste com países estrangeiros. Não é incomum ouvir a frase entre profissionais da área: “Quer fazer um homem milionário? Pegue um bilionário e dê a ele uma companhia aérea”.

O Custo Brasil atrapalha em muito a aviação nacional, que poderia ser bem maior, mais acessível e principalmente mais abrangente, já que maioria da nossa malha aérea concentra-se na costa do país e nos arredores da região Sudeste. Os altos e variáveis custos são totalmente prejuidiciais para um mercado muito sensível como o da aviação. O renomado autor Rigas Dogani, que presta consultoria para diversas empresas da aviação e foi CEO da Olympic Airways, diz que “o conhecimento claro dos custos envolvidos e de seus determinantes é fundamental para a tomada de decisão dos gestores nesse tipo de negócio das companhias aéreas. A indústria é muito dinâmica, com rápidas mudanças, apresentando variação de muitos de seus recursos”.

Em 2011, a IATA já alertou sobre os entraves na aviação, e o seu diretor Giovanni Bisignani enviou cinco recomendações para o governo brasileiro fazer mudanças urgentes para se usufruir dos benefícios econômicos e melhorar a
competitividade no setor que, como veremos a seguir, não foram tomadas:

  • Combustível mais caro do mundo
Foto: Dilvulgação – Air BP

O brasileiro já está acostumado a ouvir relatos de conhecidos que vão ao exterior sobre o baixo preço da gasolina automotiva, e com os constantes aumentos no Brasil nos últimos anos, existe uma grande insatisfação sobre o preço do combustível. O querosene de aviação, conhecido como QAV e que é utilizado nas aeronaves turboélices, turboeixo e com motores a jato, é 46% mais caro que nos EUA. Enquanto em Vitória, no Espírito Santo, o queresone não sai por menos de $3.34 dólares o litro, na Califórnia é possível comprar por $0.94, e na Cidade do Cabo, África do Sul, por $0.67.

O problema começa já na sua fabricação. Segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP), apenas 9 das 15 refinarias da Petrobrás refinam petroléo para QAV, sendo que nenhuma destas refinarias está no Centro-Oeste do país, e apenas uma no Norte. O resultado disso é que a própria ANP obriga que o distribuidor mantenha estoques de combustível para 10 dias, segundo a agência para “mitigar os efeitos de restrições ou interrupções no abastecimento, oriundos dos fatores de risco que incidem sobre os fluxos logísticos de QAV.”




Após o combustível chegar na bomba, existe mais uma variável: o dólar. A moeda americana é utilizada para comercialização de tudo na aviação: passagens, aeronaves, peças e, principalmente, combustível. E mesmo num curto período de um mês, a flutuação cambial pode acarretar um grande custo para a empresa aérea. A título de exemplo, nos últimos 30 dias o dólar atingiu máxima de R$3,203 e mínima de R$3,095; resultando em uma variação de 3,49% neste período. Para encher o tanque do Airbus A320neo, uma aeronave moderna e amplamente utilizada no Brasil, são necessários 7.070 galões americanos (26.762 litros) de QAV. Caso o abastecimento fosse feito em Belo Horizonte no dia com o dólar mais barato dos últimos 30 dias, o custo seria de R$98 mil. No dia com o dólar mais alto, R$101 mil. A variação é relativamente pequena para um único abastecimento e uma única aeronave, mas o planejamento de gastos de uma companhia fica bastante comprometido para toda a frota com esta flutuação do câmbio, mesmo num período curto como de um mês regular de 30 dias.

O Custo Brasil continua a aparecer nos impostos, que no combustível de aviação aparece como ICMS, PIS e COFINS. O primeiro é um dos que mais incomodam qualquer pessoa que possua ou opere uma aeronave: ele varia de estado para estado, e também pode variar de cidade para cidade. A alíquota do ICMS vai de 12% à 25% de acordo com o estado, mas algumas cidades podem ter isenções para algum tipo de operação. A Avianca Brasil recebeu estímulo fiscal em Fortaleza, em troca baseou algumas de suas aeronaves lá e começou um voo direto para Bogotá, na Colômbia. Mesmo exemplo com a Azul Linhas Aéreas em Minas Gerais, que recebe descontos progressivos no ICMS a medida que coloca mais voos para o interior do estado, aonde é líder disparada. É algo bom para a empresa que atende mais clientes e para a cidade, que recebe maior fluxo de turistas e empresários. Infelizmente muitos governos, inclusive o federal, não veem esta oportunidade e deixam o imposto lá em cima.

  • Aluguel de aeronaves: quanto mais velha, mais cara? 

Como já mostramos em outra matéria especial, o Leasing Aeronáutico é o nome para o negócio de aluguel de aeronaves, permitindo que se atinja o breakeven (ponto onde o faturamento supera os gastos e investimentos iniciais) de maneira mais rápida e literalmente viável, já que comprar um avião como o Boeing 737-800 pode custar quase 100 milhões de dólares. Estes contratos duram em média 10 anos e sofrem ajustes de preços previstos ou renegociados durante a sua duração.

A aeronave, como qualquer bem, sofre depreciação ao longo do tempo, e neste caso específico a depreciação é mais forte devido às manutenções programadas, que são mais extensivas e demoradas quanto maior a idade da aeronave, resultado em maior tempo em solo e logo menos tempo trabalhando. Estes fatores seriam mais do que suficientes para uma redução no preço de compra ou aluguel de uma aeronave mais antiga, mas no Brasil há um efeito reverso, como veremos a seguir.

O primeiro passo é ter ciência do mercado atual de leasing aeronáutico. Hoje, segundo dados da Flight Ascend Consultancy, um Boeing 737-800 novo tem um preço de leasing médio por mês e em dólares de $340 mil. Já se o Boeing completou seu 5º aniversário, a cobrança mensal vai para $284,5 mil dólares e, na sua primeira década de idade, chega a $235,5 mil dólares. Até este ponto, nada incomum. Aí que é entra o “fator Brasil”. Considerando esse período de tempo de 10 anos, pegamos os valores da cotação do dólar de 2007 até o ínicio deste ano, 2017, criando um cenário simples mas claro sobre a situação. E o resultado é surpreendente.




Na assinatura do contrato em janeiro de 2007, o dólar estava cotado a R$2,10; resultando numa despesa mensal de R$714 mil. Logo, a companhia espera trabalhar com uma faixa de valor próxima a esta nos próximos anos, até que venha a redução por depreciação. Anos se passam e chega 2012, ainda sob a influência da crise de 2008. O dólar está desvalorizado, chega no patamar de R$1,70 e gera um “boom” na economia brasileira. Número de passageiros em alta batendo recorde na época de 107 milhões de passageiros transportados no ano, e o custo mensal para o leasing chegando em R$483 mil, menor como esperado. Mas vale lembrar, “o Brasil não é para amadores”. E aqui estamos em 2017, no aniversário de uma década da aeronave alugada, mas não existe motivo para uma comemoração: o dólar bateu R$3,40 e o custo do leasing superou o custo do primeiro mês com a aeronave nova, chegando aos R$800 mil.

Se a notícia já parece ruim, pode ficar pior. Meses antes do 10º aniversário deste Boeing 737, a Receita Federal do Brasil, no foco de obter mais recursos diante da crise fiscal e da nova lei de repatriação de bens, considerou a Irlanda, Curação e São Martinho (Saint Maarten) como paraísos fiscais, colocando o imposto de 25% nas transações com empresas destes países, tal transação não era taxada. De início seria mais uma norma de tantas da Receita, mas isto afeta e muito a aviação brasileira por causa do leasing. Duas das três maiores empresas de leasing no mundo são Irlandesas: a AerCap e a Avolon, que somadas possuem uma frota de mais de 2 mil aeronaves arrendadas pelo mundo, atendendo mais de 200 companhias aéreas em mais de 80 nações.

Segundo o Banco Mundial, a Irlanda é o 18º país no mundo com maior facilidade para realizar negócios, e o 5º na facilidade de pagamento de impostos, sendo altamente atrativo para empresas do mercado financeiro. Este um dos motivos das empresas do ramo de leasing serem irlandesas e, por consequência, da maioria das aéreas no mundo fazerem negócio com elas. Atualmente 60% da frota brasileira é adquirida através de leasing com empresas da Irlanda, e esta nova norma com a taxação de 25% causa um aumento imediato nos custos na faixa de R$1 bilhão. Se já estava caro o Boeing 737 por R$800 mil, com a nova norma o custo mensal com leasing sobe para R$1 milhão.

Apesar de governo mais pró-aviação, futuro ainda é incerto

As cinco recomendações feitas em 2011 por Giovanni Bisignani foram para mudanças em: política de combustível; infraestrutura aeroportuária e sua taxação; modernização do tráfego aéreo; política de meio-ambiente e, por último, organização para a Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016).

Apenas dois pontos das cinco recomendações sofreram mudanças: a modernização do tráfego aéreo, ainda lenta, tem avançado com a implementação de diversos procedimentos baseados em performance (PBN) no país, reduzindo o tempo de voo e permitindo maior fluxo no espaço aéreo brasileiro. O outro ponto recomendado que sofreu certa mudança foi a infraestrutura aeroportuária com a privatização dos aeroportos, o que melhorou a qualidade do serviço. Mas hoje se provou que a concessão foi mal executada, com influência clara de corrupção demonstrada pela Operação Lava-Jato e, principalmente, com as estimativas astrônomicas sobre o volume de tráfego nos anos seguintes, que exatamente pelo Custo Brasil e pelas outras recomendações não seguidas resultaram em um tráfego em grande queda nos últimos anos.




As recomendações não foram seguidas em sua totalidade ou em parte, mas em contra-partida a ANAC finalmente tomou medidas rumo à desregulamentação, permitindo a cobrança de bagagens em voo, um alinhamento com países do mundo e que começa a demonstrar redução na tarifa aérea segundo o IPCA medido pelo IBGE. Mas como nem tudo são flores, o mesmo governo prometeu o aumento do limite da participação do capital estrangeiro nas aéreas para até 100%, que viria através de decreto presidencial. A idéia acabou virando Projeto de Lei e que não tem prazo para ser analisado, votado e sancionado, criando novamente mais incertezas.

As eleições no ano que vem trazem mais dúvidas e especulações sobre se os avanços continuarão ou se serão desfeitos. Como sempre, nenhum dos presidenciáveis falou de maneira concreta sobre política de transportes. Se a situação continuar a mesma ou piorar, será ruim para as empresas aéreas, para os seus funcionários e, principalmente, para o passageiro. Resta torcer e batalhar para uma aviação melhor, lembrando que não existe país desenvolvido sem uma aviação desenvolvida.

Com informações e dados da ANAC, ABEAR, ANP, Banco Central, Banco Mundial, Boeing, FAB, Flight Ascend Consultancy, IATA, IBGE, ICAO, Receita Federal e Shell.

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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