Qual distância mínima um avião deve manter ao voar acima de outro?

É natural que ao olharmos para cima tenhamos uma certa presunção de infinitude. A imensidão do céu parece coração de mãe: sempre cabe mais um. Mas não é bem assim. Se até a primeira metade do século passado voar era um luxo para poucos, de lá para cá o transporte aéreo decolou em uma curva ascendente, cujo crescimento – este sim – não tem limites.




Ao longo dessa evolução, mais aeronaves passaram a dividir o mesmo espaço, voando pelas mesmas rotas, usando as mesmas trajetórias de aproximação, subida e descida. Não à toa, para garantir a segurança dos voos e asseverar uma distância mínima entre as aeronaves, a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), órgão regulador da atividade da ONU, passou a estabelecer padrões e requisitos que originaram os valores para separações mínimas entre os voos.

Separação, aliás, é um termo recorrentemente utilizado no controle de tráfego aéreo. Empregado para considerar as distâncias entre aeronaves – ou entre aeronaves e obstáculos – para evitar colisões em voo ou ainda acidentes gerados por fenômenos secundários como, por exemplo, uma esteira de turbulência.

Os padrões de separação entre os voos no mundo baseiam-se nas disposições expostas no capítulo 5 do Doc 4444 da OACI (Procedimentos para o Gerenciamento do Tráfego Aéreo). Excepcionalidades à regra, quando houver, são externadas em publicações aeronáuticas próprias de cada país.

Separações numa mesma aerovia

Há três tipos de separação: horizontal, longitudinal e vertical. Neste post, abordaremos a última. Antes, porém, vamos rever o conceito de aerovia.

Conforme expresso em documentação do DECEA, uma aerovia é toda área de controle, ou parte dela, disposta em forma de corredor. Uma trajetória desenhada sobre coordenadas do espaço aéreo, com informações específicas (identificação, posicionamento, rumo, altitude, etc), destinada ao voo de uma aeronave. Nos mapas (cartas aeronáuticas) essas aerovias são representadas por um simples traçado. Uma reta. No entanto, ela é bem mais do que este tracejado e deve ser compreendida numa perspectiva mais tridimensional. Isso porque diversas aeronaves podem voar ao mesmo tempo sobre essa mesma aerovia. Porém, em altitudes diversas. Tecnicamente falando, em diferentes níveis de voo (Flight Level – FL).

Explico: suponhamos que aerovia tenha uma altitude mínima de 15 mil pés (4.500 m) e máxima de 24 mil pés (7.300 m). Nesse caso, um avião poderia cruzá-la a 15 mil pés de altitude (em aviação, dizemos: FL 150, onde FL = Flight Level), outro a 16 mil pés (FL 160), outro a 17 mil pés (FL 170), outro a 18 mil pés (FL 180) e assim por diante. Desse modo, com a devida licença à imaginação, podemos pressupor uma aerovia como um muro imaginário, formado por tubos horizontais empilhados, dentro dos quais voariam aeronaves. Estranho? Pois assim é no mundo inteiro. E já há algum tempo.

Para ilustrar, vamos a esta filmagem de dentro do cockpit de um Boeing 777. Voando a 33 mil pés de altitude (aprox. 10.000 m), o cinegrafista filma – no mesmo instante – um Boeing 747 a 35 mil pés (aprox. 10.600 m) e um Boeing 737 a 37 mil pés (aprox. 11.200 m). Todos exatamente na mesma aerovia.

Por esta lógica, a distância entre os “tubos empilhados” definirá a separação vertical dos voos, certo? É mais ou menos por aí. É como se cada aerovia tivesse diversos andares e em cada um deles pudesse voar uma aeronave. E cada um desse “andar”, digamos, fosse um nível de voo (Flight Level – FL310, FL320, FL330…)

 

RVSM – Reduced Vertical Separation Minimum

Hoje em dia, na grande maioria dos casos, a separação vertical mínima entre aeronaves em voo é de 1000 pés (300 m). Mas nem sempre foi assim. Os mínimos de separação já foram maiores e vem caindo ao longo dos anos graças a evolução da tecnologia. Até pouco tempo, por exemplo, aviões na fase de voo de cruzeiro – do FL290 (8.800m de altitude) ao FL410 (12.500m de altitude) – tinham de manter uma distância mínima de 2000 pés (600 m) entre si.

Os altímetros não tinham a precisão atual, sobretudo em grandes altitudes. Foi somente em novembro de 1990, na sétima reunião do Painel de Revisão do Conceito Geral de Separação (RGCSP) da OACI, que se chegou a um consenso para a implementação do “Mínimo de Separação Vertical Reduzido” (RVSM – Reduced Vertical Separation Minimum) para altitudes entre o FL290 e o FL410.

Em outro exemplo, no vídeo abaixo, veja as aeronaves voando no sentido oposto do avião do cinegrafista, na mesma aerovia, ora mil pés acima, ora mil pés abaixo.

Essa redução dos mínimos não se deu de uma hora para outra. Anos se passaram até o completo cumprimento de todas as etapas e dos requisitos reivindicados pela OACI. Ela foi possível graças à melhoria dos sistemas altimétricos das aeronaves mais modernas e a exigência de certas condições operacionais: uso de transponderTCAS, capacitação de tripulação, entre outros. Assim, a separação já adotada até a altitude de 29 mil pés, estendia-se até os 41 mil pés, originando 6 novos níveis de voo

Atualmente, na maior parte do espaço aéreo do globo, voa-se com uma separação vertical mínima de mil pés até os 41 mil pés de altitude (basicamente o alcance da aviação civil). Veja, na figura abaixo, como funciona a distribuição dos níveis e sentidos de voo de uma aeronave no espaço RVSM.

Ainda assim, os voos RVSM são até hoje monitorados diariamente pelas 13 agências regionais da OACI . São as chamadas RMAs (Regional Monitoring Agency), organismos criados para monitorar as separações verticais das aeronaves em voo no mundo, desde que estas foram reduzidas para mil pés. Distância então estabelecida como suficiente para um avião voar acima do outro com segurança.

Como toda regra, no entanto, há exceções. Aeronaves pesadas exigem maiores separação de aeronaves leves. Um gigante voador como o Airbus A380, por exemplo, não pode voar sobre um jatinho executivo a mil pés de separação vertical. Do contrário, a aeronave mais leve sofrerá os indesejados e severos efeitos da chamada “esteira de turbulência” – fluxo de ar e arrasto criados pelo deslocamento da aeronave mais pesada. Mais isso já é assunto para outro post!

Por Daniel Marinho no Blog Sobrevoo do DECEA. 

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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