Assista, por vários ângulos, como foi o primeiro pouso de um gigante Airbus A340 na Antártica

Depois de viajar 2.500 milhas náuticas (4.300 quilômetros) em pouco mais de cinco horas desde Cidade do Cabo, o A340-313 de matrícula 9H-SOL, da Hi Fly fez história ao se tornar a primeira aeronave daquela família de quatro motores Airbus a pousar na Antártica.

Conforme detalhado pela empresa, esta aeronave será utilizada nesta temporada para transportar um pequeno número de turistas ao continente gelado, junto com cientistas e cargas essenciais.

A empresa celebrou o feito de várias maneiras, sendo uma delas a partir do compartilhamento do diário da viagem, escrito pelo dono da empresa e piloto Carlos Mirpuri (que você lê abaixo). E, se uma imagem vale mais do que mil palavras, quem dirá um vídeo em alta resolução mostrando todos os ângulos dessa viagem histórica.

O vídeo está disponível logo abaixo (espere carregar).

O diário do comandante

Hi Fly 801/802 – 2 de novembro de 2021

A tripulação foi montada e deixou o hotel na Cidade do Cabo às 5 da manhã, horário local. O transporte demorou 30 minutos até o aeroporto. A papelada demorou mais 30 minutos e chegamos ao avião às 6 da manhã, duas horas antes do horário programado para a partida.

Os engenheiros e o pessoal de operações terrestres haviam deixado o hotel uma hora antes, então, quando chegamos ao avião, o reabastecimento estava concluído e a carga estava sendo carregada. Esperávamos 23 passageiros, todos funcionários de clientes, e como este era o primeiro voo da temporada, a maior parte do equipamento de apoio em solo que precisaríamos no WFR (Wolf’s Fang Runway, Antarctica) estava em nossos compartimentos de carga. O único objetivo das duas primeiras saídas é estabelecer a operação na Antártica, antes do verão 2021/2022.

As 2.500 milhas náuticas entre a CPT e o WFR nos levariam 5h10m na ​​ida e 5h20m na ​​volta. Como este era o primeiro voo, com apoio em solo limitado, planejamos uma parada de 3 horas no WFR. Seria um longo dia para a tripulação, mas a emoção de participar de um evento tão único estava acima de tudo.

Como sempre, começamos com um briefing na chegada ao avião. Este não é apenas mais um voo, existem especificidades relacionadas com esta operação tão remota que iríamos realizar, o ambiente hostil que enfrentaríamos e a necessidade de garantir que existiam roupas de proteção adequadas a bordo.

Enquanto as verificações da cabine e o carregamento do bufê estavam sendo realizados, minha tripulação e eu inspecionávamos o avião, checávamos seus sistemas, carregávamos a rota nos computadores de navegação e reportávamos os detalhes de nossa partida.

Os passageiros chegaram 20 minutos antes da hora prevista de partida. Eram exatamente 8 horas da manhã, hora local, quando deixamos o portão. Pontualidade sempre. Este é o lema da Hi Fly.

Alinhamos na pista 01, mas tivemos que parar por um momento antes de decolar; detectei uma intensa atividade de pássaros na pista e pedi à torre que rodasse o caminhão encarregado de afastá-los, no final eles saíram do caminho. A última coisa que queremos é que um pássaro danifique o motor em qualquer voo. Às 8:19 da manhã finalmente estávamos no ar. Uma bela manhã na Cidade do Cabo e vistas magníficas.

Não há combustível no WFR. Carregamos 77 toneladas de combustível na África do Sul. O 9H-SOL é um A340-313HGW (Alto Peso Bruto) com peso máximo de decolagem de 275 toneladas. É um avião robusto, confortável e seguro, tem um bom desempenho neste ambiente. Sua redundância de 4 motores e seu longo alcance o tornam a aeronave ideal para este tipo de missão.

A rota para o WFR era quase direta, após o cumprimento da autorização do procedimento de saída por instrumentos emitida pelo controle de tráfego aéreo da Cidade do Cabo. Logo fomos entregues à FIR Oceânica Joanesburgo via CPDLC / ADS, evitando assim a exaustiva e ruidosa comunicação HF de longo alcance que datava da década de 1950. A comunicação digital é a norma hoje na maioria das regiões de navegação aérea. Perdemos a conexão de link de dados apenas 250 milhas antes do WFR. Mas, a cerca de 180 milhas do destino, conseguimos chegar a Wolf’s Fang por VHF. Não é um controle de tráfego aéreo, apenas uma pessoa que tem um rádio portátil que vigia a pista. E, de fato, eles cuidam muito bem de sua condição.

Ao sul, voltamos às técnicas de navegação polar, usando o rumo verdadeiro como referência.

Um gráfico também é usado para garantir que não saiamos do curso. Durante o percurso recebemos via ACARS (outro sistema de comunicação digital), relatórios meteorológicos frequentes do WFR que nos são transmitidos através das nossas operações em Lisboa. 

O pessoal de WFR tem um telefone via satélite Iridium, único meio de comunicação daquela parte do mundo. Os meteorologistas fazem um ótimo trabalho e só atingimos a Antártica quando o clima atendeu às nossas necessidades. Mas uma certeza é que, ao voar para o fim do mundo, você precisa se certificar frequentemente de que o tempo real corresponde à previsão.

O tempo parecia ótimo e, à medida que nos aproximamos de nossa descida, também devemos receber relatórios de atrito da pista. Isso é medido com um carro devidamente equipado, que percorre toda a extensão da pista fazendo medições a cada 500 metros. Os atritos também foram todos acima do que consideramos mínimo, então iniciamos a descida.

Carregar combustível para cobrir as duas rotas significa que estaríamos pousando com peso máximo de 190 toneladas. Se acrescentarmos o fato de que operamos em um campo de aviação escavado em gelo glacial azul, é fácil entender que o primeiro pouso de um Airbus A340 naquele local atraiu muita atenção e ansiedade. Mas, no escritório principal, tínhamos certeza de que havíamos feito bem o nosso dever de casa.

Nosso departamento de operações realizou vários meses de preparação para este voo e o sucesso de nosso primeiro pouso é a prova de um trabalho bem executado.

Houve até uma visita ao WFR, em um avião comercial que transportava cientistas, dois dias antes do nosso voo, do comandante Antonios Efthymiou. 

A pista de gelo azul é resistente. Ela pode suportar um avião pesado nela. Sua profundidade é de 1,4 km de gelo livre de ar. O mais importante é que quanto mais frio, melhor. As ranhuras são esculpidas ao longo da via com equipamento especial e, depois de limpar e esculpir, é obtido um coeficiente de frenagem adequado; com a pista tendo 3.000 metros de comprimento, pousar e parar um A340 tão pesado naquele aeródromo não seria um problema. Pelo menos não no papel, já que um A340 nunca pousou no gelo azul antes.

O reflexo é tremendo e óculos adequados ajudam a ajustar seus olhos entre a visão externa e a instrumentação. O piloto que não está no comando tem papel importante em fazer os avisos usuais, além dos adicionais, principalmente nas últimas fases da aproximação.

Não é fácil ver a pista, mas em algum momento temos que ver, já que no WFR não há absolutamente nenhum auxílio à navegação e a cerca de 20 milhas devemos estar em contato visual.

Finalmente tivemos um vislumbre do alinhamento da pista e começamos a configurar com antecedência, selecionando os flaps e o trem de pouso para estarem totalmente estabilizados 10 milhas antes da pista. Também não há um guia visual para o declive, e a mistura da pista com o terreno circundante e o vasto deserto branco que a rodeia torna o julgamento da altitude desafiador, para dizer o mínimo.

Altímetros de clima frio também sofrem com erros de temperatura e precisam de ajustes. Tudo isso foi levado em consideração. Fizemos uma aproximação tranquila e o avião funcionou exatamente como esperado. Quando alcançamos a velocidade do táxi, pude ouvir uma salva de palmas na cabine. Nós estávamos felizes. Afinal, estávamos escrevendo história.

O tempo de parada foi bem inferior às 3 horas previstas. Nossas operações de voo e terrestres fizeram um trabalho perfeito, assim como nossos engenheiros. Uma verdadeira equipe vencedora. Equipados para o frio extremo nos aventuramos para fora, cumprimentamos as pessoas, vimos detalhes e recantos da pista para maior confiança no sistema em vigor. Tudo parece bem para lançar operações repetíveis de e para a Antártica.

A decolagem transcorreu sem intercorrências, assim como o voo de volta. O cliente estava feliz, nós estávamos felizes. Todos os objetivos deste primeiro voo foram cumpridos. O evento foi gravado pelo nosso repórter Marc Bow.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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