Nos últimos dias o noticiário brasileiro foi tomado pela apreensão recorde da Polícia e Receita Federal das malas que vieram no Boeing 777 do vice-ditador de Guiné Equatorial. Mas para muitos entusiastas, as visitas do Boeing de Guiné não têm nada de novo.
A aeronave de pintura belíssima que foi o alvo das atenções é o Boeing 777-200LR de matrícula P4-SKN, anteriormente 3C-MAB na aérea Ceiba Intercontinental, companhia nacional da Guiné Equatorial. Já o seu “antecessor” nos voos ao Brasil é o CS-TQX, que estampa essa matéria.
O CS-TQX foi um assíduo frequentador do Aeroporto de Guarulhos. A aeronave foi fabricada em 2011 e no ano seguinte já começou a dar as caras em São Paulo. As visitas eram tão frequentes que deixaram de ser uma avis rara para mais um mero Boeing no aeroporto.
Mas a motivação das visitas sempre foi motivo de suspeita: não era uma rota regular, não havia venda de passagens, na maioria das vezes estacionava na base aérea, poucos passageiros à bordo. Nunca houve uma demanda de passageiros entre os dois países que justificasse um voo direto e praticamente mensal em algumas épocas, quem diria com um Boeing 777 que leva quase 300 passageiros.
A partir desta suspeita, fizemos um levantamento inédito baseado nas fotos do nosso acervo, de colegas e também de registros de terceiros nos sites Flickr, JetPhotos e com dados do FlightRadar24.
Em Guarulhos foram no mínimo 21 visitas entre 2012 e 2017. Em Brasília houve uma em 2016. Colocamos mínimo porque o número é maior (podendo chegar a 30, segundo relatos), mas de registros fotográficos e dados de voo com garantia de datas chegamos ao número de 21 voos. Isto contando apenas o Boeing 777 CS-TQX, pois temos o seu irmão menor, o 767 de matrícula 3C-LLU que também aparecia por aqui.
Este 767 visitou o Rio no ano passado e também neste ano, tendo prosseguido depois para Brasília para o Fórum Mundial da Água. Também passou neste ano por Viracopos, e por Guarulhos duas vezes. Os voos da Ceiba chamavam a atenção porque eram em sua grande maioria nos finais de semana.
Em um vídeo postado no YouTube pelo canal GRUsbgrHD, a aeronave está parada na Base Aérea de São Paulo – BASP como era de hábito. Dentre os comentários de usuários falando das suspeitas sobre os voos serem a mando do ditador, um se destaca. Um usuário declarou ter voado 3x na aeronave trabalhando para a empreiteira A.R.G. Ltda (A.R.G. SA / Grupo ARG).
Esta informação de voos para funcionários de empreiteiras era um rumor antigo, e que fazia sentido já que até a BRA fazia voos fretados para a África com o 767, mas que não duraram muito devido à demanda muito pontual e pequena. Porém os voos da finada BRA eram de conhecimento público e tinham uma certa “sazonalidade”.
A ARG é baseada em Belo Horizonte, mas segundo a Bloomberg e o site da própria empresa, tem participações na África. A revista IstoÉ em 2007 revelou que o TCU apontou superfaturamento por parte da ARG em obras do governo, como o Aeroporto de Jaguaruna e a BR-342, sendo assim a empresa seria parte do Mensalão.
A história continua a ficar interessante quando se pesquisa o nome da empresa e ele é destacado em sites jurídicos em processos envolvendo a empresa de mineiração MMX de Eike Batista e a empreiteira Odebrechet.
Realmente os voos do CS-TQX não eram diplomáticos, já que apareciam no HOTRAN (Horário de Transporte Aéreo da ANAC), e até por isso facilitava o grande número de registros por entusiastas: todos sabiam quando a aeronave viria. Mas ao consultar o histórico VRA do Hotran hoje, que mostraria os voos de 2000 até agosto de 2018, por algum motivo desconhecido estes voos não aparecem mais.
O mesmo aconteceu na semana passada: fomos avisados na quarta-feira (12) de que a aeronave iria pousar em Viracopos no dia 14 às 10h00 no horário local. A informação circulou em todos os grupos de aviação que sabemos no WhatsApp. E provavelmente também chegou na Polícia e Receita.
É claro e suspeito o alto número de voos, que continuaram mas em menor quantidade após a “troca” de governo. Aparentemente a ponte que governos anteriores estabeleceram com a Guiné Equatorial não foi apenas troca de favores segundo revelou a Operação Lava-Jato, e sim uma verdadeira ponte-aérea de fins igualmente suspeitos.
Polícia apreende milhões de dólares no 777 da Guiné Equatorial que pousou em Viracopos