Início Acidentes e Incidentes

Com 142 pessoas, avião MD-82 quase caiu no pouso na França, mostra relatório

Receba as notícias em seu celular, acesse o canal AEROIN no Telegram e nosso perfil no Instagram.

Em grave incidente em junho de 2018, um MD-82 pertencente à Bulgaria Air Charter quase caiu ao abortar seu pouso na pista do aeroporto de Lourdes, na França.

A autoridade de Investigação de Acidentes Aéreos da Bulgária (AAIU) divulgou seu relatório final a respeito de um grave incidente ocorrido em 2018 com uma aeronave McDonnell Douglas MD-82.

A aeronave de registro búlgaro LZ-LDM fazia o voo de número BUC-8115, ligando o Aeroporto Internacional Catania–Fontanarossa, em Catania, Itália, ao Aeroporto Tarbes–Lourdes–Pyrénées, em Lourdes, na França.

O voo constituía-se como um fretamento com 136 passageiros e seis tripulantes, com destino à famosa cidade conhecida por ser um centro de peregrinação religiosa na França.

Porém, ao chegar a seu destino, nos instantes finais da aproximação a aeronave quase entrou em estol (perdeu sustentação) em uma arremetida já sobre a pista do aeroporto.

O que aconteceu?

O MD-82, segundo relatado, fez um voo normal desde a cidade italiana até a descida para o pouso no aeroporto de Lourdes. Próximo à região de Barcelona, antes do início da descida, a aeronave começou a evitar um grande sistema de nuvens com atividade de CB (cúmulo-nimbo).

Ao iniciar a descida para o FL100 (10.000 pés, ou 3.050 metros), a aeronave o fez em ice conditions (condição de formação de gelo) e moderada turbulência, recebendo, pouco depois, autorização para descer ao FL080 (8.000 pés, ou 2.450 m).

Durante a descida para o FL080, o piloto recebeu atualização meteorológica do aeródromo local e instrução para executar a aproximação por instrumentos (ILS) para pouso na pista 20 do aeroporto.

As condições meteorológicas no destino apresentavam chuva forte com tempestade, céu encoberto (OVC) a 4.300 pés (1.311 m), nublado (SCT) a 2.500 pés (752 m) e poucas nuvens (FEW) a 1.900 pés (579 m). O vento vinha da direção 190° e intensidade de 8 nós (15 km/h).

Posteriormente, a tripulação foi atualizada com informação de chuva e vento de 200° com intensidade de 11 nós (20 km/h).

Imagem: Final Report AAIU

A 90 segundos do pouso, a 2.200 pés (671 m), desenvolvendo a velocidade de 140 nós (259 km/h) a aeronave estava completamente configurada para o pouso e dentro do procedimento de descida ILS para a pista 20.

Ao atingir 469 pés (143 m) AGL (acima do solo) com a velocidade de 136,75 nós (253 km/h), com o piloto automático (PA) e aceleração automática (A/T) engajados e operando normalmente, nas condições meteorológicas de vento forte e chuva, o copiloto desacoplou o PA passando a voar a aeronave ainda com o A/T engajado no modo SPEED (velocidade) a 140 nós.

Imediatamente após passar para o controle manual, o avião foi exposto a fortes rajadas de vento e chuva forte. O copiloto não conseguiu manter o avião em curso e na rampa de aproximação. O avião começou a se desviar para a esquerda do curso, bem como da rampa de planeio (glide slope), “afundando” na rampa de aproximação ILS.

DFDR: desvio do glide slope registrado. Imagem: Final Report AAIU
DFDR: desvio do localizer registrado. Imagem: Final Report AAIU

O comandante, ao avaliar a situação, assumiu o controle. Ele iniciou uma correção à direita, aumentando também o pitch (inclinação do nariz) para manter o perfil de descida. O A/T permaneceu engajado no modo SPEED com velocidade definida de 140 nós, mantendo automaticamente essa velocidade. Apesar do aumento do pitch e da aceleração dos motores, o avião continuou “afundando” na rampa, embora agora não muito.

O Relatório informa que, nesse instante, a aproximação estava totalmente fora do padrão do procedimento ILS a ser seguido, porém, mesmo assim, o comandante não decidiu descartar o pouso.

A 85 pés (26 m) de altura, com velocidade de 138,75 nós (257 km/h), o comandante desengajou o A/T. Alguns segundos depois, ele incrementou o pitch da aeronave de 4° para 11°, mas sem aumentar manualmente a potência dos motores, ação necessária já que havia desengajado a aceleração automática do A/T.

A aproximadamente 480 metros de distância da cabeceira da pista 20, a aeronave estava a 46 pés (14 m) de altura, voando horizontalmente nesse padrão por mais de 10 segundos, com a velocidade caindo de 136 (252 km/h) para 128 nós (237 km/h).

Ao cruzar a cabeceira a 35 pés (10,7 m), a aeronave estava um pouco à direita da linha central da pista e com a velocidade em 129,5 nós (240 km/h). Após 5 segundos e percorrendo cerca de 350 metros no ar sobre a pista, o comandante decidiu abortar o pouso.

Não percebendo que o A/T estava desengajado, o comandante acionou o controle do A/T para TO/GA (Take Off – Go Around, decolar – arremeter) e, sem perceber que não houve efeito no A/T, também não fez o ajuste manual nas manetes de potência dos motores.

Numa extensão de 830 metros, de quando estava a 480 metros da cabeceira da pista até o momento em que decidiu abortar o pouso, a aeronave voou com potência mínima nos motores e próxima a ângulos de ataque críticos (elevações do nariz próximas à perda de sustentação).

DFDR: Velocidade (IAS) registrada. Imagem: Final Report AAIU

O copiloto, sem prestar atenção à posição dos controles do A/T e nem às variações de velocidade da aeronave, acabou por não dar auxílio ao comandante, que seria o de levar os controles do motor para o padrão de decolagem.

Após alguns segundos, o copiloto comandou o recolhimento dos flaps de 40° para 11° (20 segundos para recolher) e, na sequência, iniciou o recolhimento do trem de pouso (6 segundos para recolher). Quando a aeronave estava a 118,75 nós (220 km/h), definiu a altitude alvo da arremetida e retraiu os spoilers. A aeronave neste momento estava a 66 pés (20 m) do solo.

A partir do momento do recolhimento do trem de pouso, a velocidade da aeronave começou a decair, chegando à mínima de 116,25 nós (215 km/h), com um ângulo de pitch de 15°. Quando desarmou os spoilers, o copiloto percebeu que as manetes de potência dos motores não estavam à frente, na configuração de GA (arremetida), e informou ao comandante, que o instruiu a levar as manetes para a posição necessária.

DFDR: altitude barométrica registrada. Imagem: Final Report AAIU
DFDR: velocidade vertical registrada. Imagem: Final Report AAIU

As manetes foram agressivamente avançadas, sendo colocadas em potência máxima. Quando o motor número 2 atingiu sua potência máxima, a aeronave atingiu o máximo ângulo de pitch, com 19,8°, e o máximo de ataque, com 38,6°. Durante todo esse procedimento, a aeronave percorreu mais 850 metros sobre a pista, o que resultou em um voo de cerca de 1.680 metros sem correção na potência dos motores.

Pouco depois, a potência foi restaurada para a normal de subida e a aeronave alternou para o Aeroporto de Tolouse, onde pousou na pista 32L sem qualquer novidade.

Em Tolouse o Comandante não reportou o incidente à companhia ou autoridades francesas.

A atitude do MD-82 foi tão alarmante que os controladores de tráfego aéreo do Aeroporto de Tarbes notificaram os investigadores franceses que haviam observado a aeronave “voando sobre toda a pista” com o nariz anormalmente alto e em baixa velocidade, incapaz de subir, com a cauda a apenas 20 metros (66 pés) do chão.

Na notificação, os controladores comparam a cena do MD-82 à infame visão do Airbus A320 da Air France, que não conseguiu subir e mergulhou na floresta, após uma passagem baixa no show aéreo no aeroporto Habsheim, em Mulhouse, França, em 1988.

A tripulação, a aeronave e o clima

Ambos os tripulantes estavam com seus certificados e licenças em dia. A aeronave estava tecnicamente em ordem na época do incidente, sem apresentar problemas em sua estrutura, sistemas e motores.

As informações fornecidas pelo aeroporto mostram que as condições meteorológicas, no momento da aproximação e pouso, eram significativamente complicadas no aeroporto de Tarbes.

A precipitação se intensificava no sul da França e havia relatos de tempestades na área de Tarbes, com valores de pico no FL350. A 500 pés, era reportado vento de 5 nós (9 km/h) com direção norte. Nas informações não são levadas em consideração as possíveis rajadas de vento.

Condições climáticas no horário do pouso. Imagem: Final Report AAIU

A investigação

Testes e avaliações revelaram que a aeronave chegou muito perto de perder a sustentação dentro da condição de deep stall.

Observação: o deep stall é uma forma particularmente perigosa de estol que resulta em uma redução substancial ou perda da autoridade do profundor por receber esteira de turbulência da asa, tornando ineficazes as ações normais de recuperação de estol. Esse fenômeno afeta alguns projetos de aeronaves, principalmente aqueles com uma configuração de cauda em T (caso do MD-82).

Com referência ao fenômeno deep stall, a investigação reportou que pode-se assumir com probabilidade suficiente que o avião estava próximo da primeira fase desse fenômeno, mas esse limite não foi atingido. O recolhimento dos flaps de 40° para 11° levou por um curto período à redução do arrasto na aeronave, mas, ao mesmo tempo, reduziu a superfície da asa em um momento crítico.

Com a retração parcial dos slats e mais aumento no ângulo de ataque para preservar o voo horizontal, novamente o arrasto aumentou, sem a devida aplicação de potência necessária nos motores para compensar a condição estabelecida.

Nesse ponto, a aeronave atingiu o limite do perder sustentação em quase toda a asa, mas não o ultrapassou. Isso é evidenciado no DFDR (Gravador Digital de Dados de Voo), onde a retração dos flaps foi acompanhada por uma mudança de altitude de 33 pés (10 m) para 107 pés (33 m). Posteriormente, a aeronave perdeu altura novamente, com aumento da inclinação do nariz e descida para 50 pés (15 m).

A investigação concluiu que todos os sistemas da aeronave estavam funcionando normalmente e que as condições climáticas desfavoráveis, enquanto “o copiloto falhava em corrigir o desvio no curso e na rampa de planeio”, não causaram o voo prolongado em atitude crítica.

Os investigadores escreveram em sua análise:

A Comissão avalia as ações da tripulação como inadequadas aos procedimentos da Bulgaria Air Charter, e considera que, com essas ações, a tripulação contribuiu para o desenvolvimento de um risco crítico à segurança do voo, da seguinte forma:

  1. Sob as condições de uma mudança repentina do clima – chuva e vento forte, o que levou à desestabilização da aproximação – a tripulação não tomou a decisão de abortar o pouso no momento oportuno;
  2. Ao concluir o procedimento de “Go Around”, o comandante, cuja atenção estava concentrada em levar a aeronave para a linha central da pista e para o pouso, não colocou os motores no modo TO/GA. O copiloto não controlou a posição das manetes, o modo de potência (A/T) e a velocidade, não alertando imediatamente o comandante de que a eles tinham atingido valores críticos;
  3. A tripulação de voo estava sob forte estresse devido à situação meteorológica extremamente desfavorável e ao desvio inesperado do localizador (LOC) e da rampa de planeio (GS).

Conclusão

Com base na análise feita, a investigação búlgara declarou o incidente como grave, tendo como causa erros dos pilotos na coordenação do trabalho na cabine (CRM) e no emprego da tecnologia embarcada, durante o voo com más condições climáticas, durante a aproximação para pouso e nos procedimentos para abortar a aterrissagem e para a arremetida.

Basicamente, a pressão causada pelo procedimento de descida da aeronave em condições climáticas desfavoráveis acabou gerando um ambiente confuso na cabine, principalmente a partir do momento em que o comandante assumiu os controles e tentou, de todas as formas, corrigir a descida da aeronave.

O episódio só não terminou em tragédia devido à percepção pelo copiloto, na última hora, da configuração das manetes dos motores em baixa potência e seu restabelecimento ainda a tempo de conseguir sair da condição crítica que a aeronave se encontrava.

Receba as notícias em seu celular, acesse o canal AEROIN no Telegram e nosso perfil no Instagram.

Sair da versão mobile