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Como a modificação SHARP ajuda o Airbus A320neo a operar no Santos Dumont

ESPECIAL - Desde que Azul e LATAM começaram a voar ao Santos Dumont com o A320neo, muitos se perguntavam o que muda na modificação SHARP.

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Nas últimas semanas temos falando bastante da operação do Airbus A320neo no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, que tem a menor pista dentre os principais aeroportos do país.

Para que os voos de Azul e Latam Brasil ao aeroporto sejam viáveis do ponto de vista operacional, seus Airbus A320neo contam com a modificação SHARP – Short Airfield Package, que em português significa “Pacote para Aeródromos Curtos”, em tradução literal.

Este pacote foi lançado pela Airbus em 2014 para competir com o SFP (Short Field Performance) da Boeing que, inclusive, nasceu de uma encomenda da brasileira GOL para operar justamente no Santos Dumont com o Boeing 737-800. No caso, a GOL já os utiliza desde 2006.

Ambas as modificações – SHARP e SFP – permitem que os jatos decolem com o melhor balanço de peso, otimizando o equilíbrio combustível/carga/passageiros, enquanto mantém a margem de segurança operacional, viabilizando a operação de aeronaves maiores em aeroportos menores.

No caso do SFP, já são bem difundidas as modificações, que incluem mudança na movimentação das partes móveis da asa e também no freio da aeronave. Porém, sobre o SHARP ainda não se falou muito no Brasil, então fomos buscar mais informações para compartilhar aqui.

Conversamos com um piloto de Airbus que nos trouxe uma apresentação sobre as modificações feitas no avião, as quais vão muito além da superfície da asa. Veja abaixo a lista:

Modificação na Leading Edge

Esta é a modificação mais conhecida do SHARP e está bem na junção da fuselagem com a asa, focada no bordo de ataque (Leading Edge). Ela foi redesenhada para que o ar que vem da própria fuselagem fosse direcionado de uma melhor maneira para as partes superior e inferior da asa.

Com “mais ar” passando embaixo da asa, a sustentação é aumentada, permitindo assim uma otimização do processo de decolagem para que a aeronave saia do chão “mais cedo”, assim como também pouse com velocidades menores, ajudando-a a parar mais rápido e garantindo-lhe uma margem maior de segurança em pistas pequenas.

Modificação no Aileron

© Airbus

O avião faz curvas através do mecanismo de aileron, que são partes móveis na ponta das asas, as quais modificam a passagem do fluxo de ar, diminuindo a sustentação de uma asa (para onde a curva é feita) e aumentando a da outra asa, fazendo assim que o avião incline no ar.

No SHARP, este aileron também atua como freio aerodinâmico de maneira mais efetiva, similar aos spoilers. Alguns pilotos chamam estes tipos de aileron de spoileron, mas não é a designação oficial da Airbus.

Modificação na cauda

Um ponto pouco falado são as modificações na cauda do avião. No SHARP são instalados pequenos geradores de vórtex no estabilizador vertical, que antecede o leme do avião, conforme indicado nas imagens acima.

Estes pequenos dispositivos ajudam a manter o ar “colado” à superfície, mesmo em velocidades baixas, o que ajuda no controle da aeronave. São muito utilizados nas asas de diversos aviões, mas também na cauda.

A grande vantagem destes geradores de vórtex no SHARP é conferir um maior controle do leme em velocidades baixas, seja no pouso ou decolagem. Esta tecnologia adicional é crítica numa situação de perda de um dos motores em que se necessita manter a máquina alinhada e com o leme bem atuante.

Veja abaixo como funciona esta tecnologia, que também é aplicada a carros:

Efeitos na prática, vamos aos números

Airbus A320neo da Azul equipado com pacote SHARP, repare na parte mais “gorda” da primeira seção da junção da fuselagem com a asa

Estas modificações envolvem a aerodinâmica do avião e trazem muitos ganhos. Mas isso fica mais fácil de compreender quando os resultados são apresentados. Com essa mudança na aerodinâmica, o centro de gravidade (CG) do A320neo pode ficar mais à frente, permitindo margem maior no peso e balanceamento da aeronave.

Na prática, isso se traduz em até 3,5 toneladas a mais na pior condição de decolagem no Santos Dumont (35ºC de temperatura e avião cheio), onde as modificações são mais “sentidas”.

Com uma modificação nos motores, que aumenta a potência máxima de 26 mil libras de empuxo para 29 mil libras, a diferença é até 5,7 toneladas a mais de peso quando comparado ao A320neo normal.

No pouso, o peso máximo foi aumentado em 1,9 tonelada em pista seca e 1,6 tonelada em pista molhada, onde havia uma restrição maior em função da distância de pouso ser aumentada pela menor eficiência dos freios.

Em uma condição sem vento, o A320neo com SHARP pode pousar no Santos Dumont com 63 toneladas, apenas quatro abaixo do máximo peso de pouso do jato, limitado pela estrutura do trem de pouso e da aeronave em si.

Retrofit e aplicações no mundo

Airbus A320neo PR-YRA, não equipado com o pacote SHARP

Vale lembrar que nem todos os aviões da Azul estão equipados com o pacote SHARP. Os primeiros oito recebidos pela empresa não vieram com essa adaptação: compreende os aviões de matrícula PR-YRA até PR-YRI.

O motivo é simples. Da entrega do primeiro A320neo, o PR-YRA, em outubro de 2016, até a chegada do YRI em março do ano seguinte, o SHARP ainda não tinha sido certificado pela ANAC, EASA e FAA. Com isto, apenas do PR-YRJ em diante, entregues a partir de novembro de 2017, houve a instalação deste pacote.

Mas isto não é problema, já que a Airbus oferece a instalação do pacote à parte, o chamado retrofit. Para isso, é necessário encomendar o kit, que pode chegar a dois instalados por mês ao custo de $515 mil dólares por avião, incluída mão-de-obra, peças e a papelada.

O tempo de instalação é de 72 horas, sendo o maior trabalho a instalação da modificação na Leading Edge (de 72 horas), seguido da instalação dos geradores de vórtice na cauda (49h) e também oito horas para a atualização do software, que terá as novas informações de performance da aeronave, além de permitir maior atuação do aileron.

Outro ponto destacado pela fabricante é que três aeroportos brasileiros estão entre os 18 menores que operam aviões da família A320.

A tabela abaixo mostra os 26 aeroportos que têm pista menor que 1.800 m e contam com voos regulares do Airbus, desconsiderando Vitória que hoje já tem uma pista de 2.058 m:

© Airbus

Desta maneira, fica claro o quão importante para as companhias aéreas brasileiras é ter o pacote SHARP, principalmente pelo fato da GOL já operar há anos com a modificação da concorrente Boeing, levando mais de 180 passageiros a bordo enquanto a Azul e LATAM estavam limitadas a 118 (no Embraer E195) e 144 no A319, respectivamente.

Hoje, as operadoras do Airbus levam até 174 pessoas, ainda atrás da GOL, que tem seus 737-800 com 186 assentos, além do MAX que está previsto operar no Santos Dumont e também leva a mesma quantidade.

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