Concorde, o avião perseguidor de eclipses solares

Receba essa e outras notícias em seu celular, clique para acessar o canal AEROIN no Telegram e nosso perfil no Instagram.

Avião Concorde
Imagem: André Cros / CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons

Em 1973, um pequeno grupo de astrônomos de todo o mundo tinha uma arma secreta para ver e estudar um eclipse mais longo do que nunca: o protótipo do avião supersônico Concorde.

O futuro avião comercial – desenvolvido em uma parceria entre os governos francês e britânico – voou pela primeira vez em 1969 e estava chegando ao fim de seu programa de testes bem-sucedido.

Enquanto os engenheiros de aviação franceses e britânicos preparavam seus Concordes para o voo de passageiros, o mundo da astronomia solar estava se preparando para seu próprio marco: o eclipse solar total mais longo de uma vida, em 30 de junho de 1973.

Em teoria, o Transporte Supersônico (SST, ou Super Sonic Transport) poderia dar a eles mais de 70 minutos para assistir ao eclipse, dez vezes mais tempo de observação do que conseguiriam no solo nos eclises mais longos da história em um ponto fixo, de 7 ou 8 minutos, e muito acima de qualquer nuvem e vapor d’água. Agora eles só tinham que conseguir um Concorde.

A busca pelo Concorde

Em Londres, o astrofísico britânico John Beckman usava aviões para fazer astronomia há anos. Beckman solicitou o uso do protótipo britânico Concorde “002”, mas foi recusado, possivelmente porque o programa de testes do Reino Unido estava atrasado em relação aos franceses.

Então, em maio de 1972, pouco mais de um ano antes do encontro celestial, um astrônomo do Observatório de Paris chamado Pierre Léna levou pessoalmente sua própria proposta ao piloto de teste francês André Turcat.

Piloto curioso do ponto de vista científico, ele deu ao jovem pesquisador uma hora de seu tempo. Durante um almoço em um restaurante dentro do aeroporto de Toulouse, Léna esboçou sua visão na toalha de papel.

O plano parecia extremamente simples. Aproximando-se em velocidade máxima, o Concorde desceria do norte e interceptaria a sombra da lua sobre o noroeste da África.

Viajando juntos quase na mesma velocidade, o Concorde basicamente correria o eclipse solar pela superfície do planeta, dando aos astrônomos uma oportunidade sem precedentes de estudar os vários fenômenos tornados possíveis por um eclipse: a coroa solar, o efeito da luz solar no escurecimento da atmosfera, e o breve flash vermelho da cromosfera, uma região estreita ao redor do sol que geralmente é apagada pela fotosfera muito mais brilhante.

Turcat ficou impressionado. Ele apresentou a ideia a seus chefes na Aérospatiale, que deram luz verde provisória e concordou em assumir o custo da missão. Turcat e o engenheiro-chefe de navegação Henri Perrier começaram a trabalhar em todos os detalhes, levando em consideração os padrões do tempo e até mesmo as temperaturas do solo nos locais de onde o Concorde poderia decolar, o que afetaria a quantidade de combustível.

Preparação para o feito histórico

Depois de decidir sobre a ilha espanhola Gran Canaria, no litoral da África, como um bom ponto de partida, a equipe planejou uma rota para o sul e depois para o leste ao longo da linha do eclipse. Turcat e Perrier analisaram quais pistas na África seriam capazes de lidar com a aeronave. Eles avançaram o mais longe possível para o oeste, para N’Djamena, no Chade, com Kano, na Nigéria, como apoio. O encontro real ocorreria sobre a Mauritânia, que concordou em fechar seu espaço aéreo ao tráfego aéreo comercial à meia-noite da noite anterior.

Mas ainda havia muito o que fazer. Primeiro foi a transformação mecânica do avião. Ocorrendo durante o solstício de verão e praticamente ao longo do Trópico de Câncer, o eclipse estaria no zênite: diretamente acima deles. Para visualizá-lo adequadamente, eles precisariam instalar janelas vigias na parte superior da fuselagem e projetar um aparelho para fotografar através delas.

As janelas teriam que resistir à diferença de pressão entre a cabine e a parte externa, bem como às altas temperaturas – em torno de 100º C – sentidas na superfície externa da fuselagem em voo supersônico, devido ao atrito com o ar. Se a janela explodisse durante o voo, isso não necessariamente colocaria em risco a segurança, mas exigiria um pouso de emergência e o fim do experimento.

Por fim, em fevereiro de 1973, faltando apenas quatro meses para o eclipse, os cientistas receberam a notícia de que a missão estava em andamento. Os pesquisadores correram para os preparativos finais.

Além das limitações de tempo da sobreposição entre sol e lua, cada experimento teria que lidar com as limitações impostas pela própria aeronave. Nada poderia entrar em curto-circuito – um incêndio a bordo seria catastrófico – e tudo tinha que ser construído para suportar as vibrações na decolagem. E, apesar do histórico limpo de segurança da aeronave naquele ponto, no fundo da mente dos cientistas havia preocupações legítimas sobre voar em uma aeronave experimental em velocidades supersônicas.

Hora de partir

Precisamente às 10h08 da manhã do dia 30 de junho, os quatro motores Olympus 593 sob as asas do Concorde lançaram “001” pela pista do aeroporto Las Palmas de Gran Canaria. Milhares de quilômetros ao leste, a sombra da lua já estava cruzando o Atlântico a mais de 1900 km/h, traçando um caminho em direção à costa africana.

Dois minutos após a decolagem, a aeronave atingiu Mach 1, ou cerca de 1140 km/h, e rumou para sudeste em direção à sombra em movimento. Subindo ainda mais na estratosfera até uma altitude de 56.000 pés (17 km), Turcat levou a aeronave até Mach 2,05, mais do que o dobro da velocidade do som e somente um pouco abaixo da velocidade de deslocamento da sombra do eclipse, de cerca de Mach 2,3.

Com a ajuda dos dois sistemas de orientação inercial a bordo do Concorde, a tripulação guiou a aeronave ao longo da trajetória cuidadosamente mapeada e encontrou o eclipse com 1 segundo de precisão do encontro planejado.

Com o eclipse do sol bem alto à frente, Turcat acendeu as luzes de navegação noturnas na escuridão do meio-dia, e mais tarde resolveria se registraria o voo como diurno ou noturno.

A ciência e o Concorde poderiam ter continuado, mas o local de pouso no Chade estava se aproximando rapidamente. Ao todo, os experimentadores observaram a totalidade do eclipse por um recorde de 74 minutos.

Fim da jornada astronômica

Virando para o sul, saindo da escuridão, Turcat começou a se alinhar para se aproximar. Haveria 10 toneladas de querosene na chegada, dando-lhe uma sobra para uma espera de quarenta minutos em caso de uma aproximação perdida. Mas a aeronave pousou suavemente.

Em um voo, o Concorde deu aos astrônomos mais tempo de observação de eclipse do que todas as expedições anteriores do século passado juntas, gerando três artigos na Nature e uma riqueza de novos dados.

Tal feito ainda voltaria a se repetir, mas somente 26 anos mais tarde, em agosto de 1999. Entretanto, os três voos comerciais, dois da British Airways e um da Air France, todos acompanhando um eclipse sobre a Europa para observações pelas próprias janelas laterais, durariam cerca de 4 a 5 minutos e frustrariam todos a bordo pela dificuldade de se olhar para cima através das pequenas janelas do Concorde.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

Veja outras histórias