Crise varre o caixa das empresas aéreas e analistas preveem muitas quebras

Uma análise divulgada pela Centre for Aviation (CAPA) no último final de semana traz um cenário bastante alarmante para o futuro das empresas aéreas do mundo no pós-crise do Coronavírus. Segundo os analistas, a maior parte das empresas pode não sobreviver até o começo de junho de 2020.

Segundo a CAPA, à medida que o impacto do coronavírus varre o caixa das empresas aéreas e as desistências de passageiros em viajar desenham um futuro desanimador, muitas companhias aéreas provavelmente já foram levadas à falência técnica ou estão pelo menos inadimplentes. Dois exemplos disso são a Air Asia X e a Lion Air, duas grandes empresas do sudeste asiático, que ontem declararam terem cortado os pagamentos dos leasings de 320 aviões.

Os pesquisadores concluem que é necessária uma ação coordenada do governo e da indústria para evitar uma catástrofe, afinal, mesmo sem voar, os custos com leasing de aviões e pessoal estão aí.

Qual o cenário

O setor aéreo carrega um pesado fardo em momentos de crise como esse. Em geral, é o primeiro setor a ser afetado, o impacto é muito forte e, quase sempre, é o setor que mais demora a se recuperar. Em paralelo, a estrutura de custos é complexa e volátil. É o conjunto perfeito para o caos em tempos de crise e, como setor estratégico, requer boa gestão, mas também requer ajuda.

Nos últimos dias, recebemos uma avalanche de notícias de fechamento de fronteiras, cancelamentos de voos, aterramento de frotas inteiras, licenças não remuneradas e demissões. E cada ação segue o rumo da pandemia. Por exemplo, em se falando de demissões, elas começaram pela Ásia, depois foi na Europa, agora as americanas já deram sinais de que cortarão pessoal e é difícil pensar que o mesmo não acontecerá no Brasil após tantos cortes de voos por tanto tempo, como temos observado.

O que é uma pena, pois tudo isso acontece num momento em que a aviação brasileira via um horizonte mais próspero adiante, após as reduções de impostos e um ensaio de recuperação econômica que, a essa altura, já foi embora devido à forte contração – a versão de ontem do Relatório Focus, emitido pelo Bacen, já aponta para um crescimento de apenas 1,68% nesse ano, frente aos mais de 2,3% originalmente estimados (e com tendência de baixa).

Cancelamentos > Novas Reservas

O fato é que as perspectivas são desanimadoras. Segundo as próprias empresas, as reservas de voos estão sendo superadas de longe pela avalanche de cancelamentos, ao passo em que novos governos fecham fronteiras, impedem a entrada e estabelecem quarentenas mandatórias aos viajantes. A demanda simplesmente está secando de maneira sem precedentes e normalizar isso não é algo que acontece do dia para a noite.

Na verdade, quando essa poeira baixar, as pessoas começarão a rever seus planos de viagem, reorganizarão seus cronogramas de férias, mesmo as viagens de negócios serão cortadas, já que muitas empresas cortarão custos após terem sido golpeadas pela crise.

Para equilibrar as contas no primeiro momento, as empresas aéreas têm alguns caminhos a seguir: oferecer passagens muito baratas, colocar regras mais agressivas nos programas de fidelização e, claro, cortar custos. Mas a menor quantidade de empresas voando – acredita-se que muitas sucumbirão à crise – deve aumentar os preços no médio e longo prazos.

Pedidos de ajuda

Não é por menos que também temos visto uma chuva de pedidos de ajuda vindos de todos os lugares do mundo. Apenas na semana passada, as companhias britânicas pediram um suporte de 9,2 bilhões de dólares, enquanto as americanas, através de um comunicado da Airlines For America (A4U) pedem ajuda imediata de US$ 50 bi para manterem-se em pé (mesmo após as demissões). Ambos os governos já se prontificaram a ajudar, embora as medidas ainda não tenham sido divulgadas. Enquanto isso, do outro lado do mundo, o governo chinês também já colocou um fundo à disposição das suas empresas aéreas estatais e privadas.

Numa abordagem mais global, as três maiores alianças de empresas aéreas do mundo – SkyTeam, oneworld e Star Alliance – se juntaram e fizeram um comunicado conjunto aos governos do mundo, em nome das 60 companhias aéreas aliançadas. A princípio, o pedido refere-se à flexibilização das regras de slots, mas pode ser mais profundo, já que a crise global atinge a todos da mesma maneira e vai faltar dinheiro.

No Brasil, por sua vez, não poderia ser diferente. Na semana passada, a Abear, que representa Latam e Gol, além de outras empresas menores, emitiu um pedido de ajuda em nome de suas associadas, com uma série de medidas propostas para aliviar o setor nesse momento, com o objetivo de proteger o máximo de empregos possíveis.

Quem vai sobreviver

Sobreviverá quem tiver ajuda e, caso ela não venha, quem mantiver a estrutura de rotas mais saudável possível, ainda que precise encolher de tamanho. E é nisso que uma boa parte do mercado financeiro aposta, haja visto a desvalorização das ações das empresas aéreas na Bovespa nos últimos dois meses – Azul (-75%), Gol (-81%) e Latam (-67,7% na Bolsa de NY), versus um Ibovespa que caiu 58% no ano.

Por exemplo, no caso do Brasil é difícil pensar que as empresas aéreas voltarão a operar todas as rotas que tinham a uma semana atrás. Após a crise, a demanda terá mudado muito de perfil e isso deve resultar em empresas reajustando a malha de rotas para assegurar melhores rentabilidades.

Outros sobreviventes são evidentes. Como citamos acima, além das americanas e britânicas, as companhias aéreas chinesas passarão pela crise, principalmente as apoiadas pelo governo – os preços de suas ações refletem esse cenário; enquanto os preços das ações de muitas grandes companhias aéreas internacionais caíram 50% ou mais, as ações das três maiores companhias aéreas chinesas perderam apenas um pouco mais de 10% nos últimos dois meses.

Existem alguns outros governos nacionais europeus que também fornecerão apoio seletivo para suas companhias aéreas, como é o caso da Alitalia. Também é provável que as transportadoras do Golfo sejam apoiadas. 

No entanto, quem não tiver um bom colchão financeiro ou bom suporte, certamente sucumbirá e isso resultará em menos concorrência, preços mais altos e alguns passos atrás na nossa evolução até aqui.

Carlos Ferreira
Carlos Ferreira
Managing Director - MBA em Finanças pela FGV-SP, estudioso de temas relacionados com a aviação e marketing aeronáutico há duas décadas. Grande vivência internacional e larga experiência em Data Analytics.

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