Hurricane Hunters: os aviões que voam no olho do furacão

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Lockheed WP-3D Orion e Gulfstream G-IV da NOAA

Final de Julho na Flórida é sinônimo de verão e praias quentes, grandes festas ao ar livre e muitos jovens curtindo as férias no Sunshine State – o apelido oficial do estado americano. Para muitos é pura diversão, mas o final do verão é a época de alerta para os países caribenhos e os estados americanos da costa leste, pois é o ínicio da temporada de furacões.




A temporada de furacões começa oficialmente em 1º de Junho e vai até o final de Novembro, começando com diversas tempestades tropicais, algo que até nós brasileiros estamos acostumados. Porém o maior problema são os furacões, que começam a se formar no final de julho. Furacões, que também são conhecidos como Tufões (na Ásia) e que, tecnicamente, possuem o nome de Ciclone Tropical, são áreas de baixíssima pressão atmosférica e com temperatura superior à áreas em seu entorno. Com sua circulação fechada de ventos, forma a força de gradiente de pressão, uma força centrífuga que gera ventos de até 300km/h.

Quando esses fenômenos da natureza começam a aparecer, é que começa o trabalho de 3 entidades de pesquisa de furacões: A National Oceanic and Atmospheric Administration, em português Agência Nacional Oceanográfica e de Atmosfera, conhecido como NOAA, que é submetido ao Departamento de Comércio dos EUA; a Força Aérea Americana (USAF) com o 53º Esquadrão de Reconhecimento Meteorológico, o 53rd WRS; e a Agência Espacial Norte-Americana, a NASA com o Centro de Pesquisas em Voo Armstrong.




Estas 3 entidades trabalham em conjunto para acompanhar furacões e tempestades que se formam no Atlântico Norte e que podem atingir a costa americana. Como não existem estações meteorológicas no meio do mar, é necessário enviar aviões para fazer reconhecimento e análise dos furacões, que apesar de sua formação ser captada por satélite, não é possível dimensionar através deste o seu sentido, velocidade e categoria na escala de furacões Saffir-Simpson. Nesta hora é que entram em ação os aviões conhecidos como Hurricane Hunters.

Assista um dos aviões da NOAA entrando no olho do furacão Matthew.

E do recente furacão Matthew que devastou o sul do Texas:

Agora conheça os caçadores de furacões:

1. Lockheed WP-3D Orion

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O WP-3D Orion conta com diversos equipamentos, o mais visível é o radar doppler na barriga da fuselagem.

A NOAA é equipada com uma diversa frota de aeronaves e para análise de furacões usam principalmente seus dois WP-3D Orion, uma versão modificada do antológico Lockheed P-3D Orion (sucessor do L-188 Electra, que voou na Varig, inclusive). Atualmente o Orion é operado pela Força Aérea Brasileira na sua concepção militar original: guerra anti-submarina.

A versão WP-3D conta com uma estrutura reforçada para voar através do furacão. Sua tripulação é composta por dois pilotos, um engenheiro de voo, um navegador, um diretor de voo (meteorologista), dois ou três engenheiros/especialistas em eletrônicos, um especialista em rádio e aviônicos, e até 12 cientistas ou pessoal de mídia.

A grande tripulação é necessária para operar os diversos equipamentos da aeronave. O que mais se destaca externamente é o radar doppler na barriga da aeronave, que escaneia horizontalmente a tempestade enquanto um outro radar doppler na cauda faz o escaneamento vertical. Juntos, estes radares formam uma imagem de ressonância magnética do furacão (IRM), que é parecida com aquela que fazemos no médico para exames. Esta IRM permite que os pesquisadores vejam as diferentes camadas e a estrutura interna da tempestade.

 

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Diretor de Voo do WP-3D

 

Além dos radares, o WP-3D pode lançar sondas detectoras de vento através de um tubo. Estas sondas possuem GPS para sua localização e abrem um para-quedas após o lançamento, e quando tocam o mar começam a transmitir informações de pressão, temperatura, umidade, velocidade e direção do vento. Uma sonda batitermógrafa pode ser também lançada para detectar a temperatura do oceano e a pressão hidrostática para medida de profundidade. As informações das sondas são compiladas no Orion e enviadas para o centro da NOAA em terra.

Os WP-3D Orion foram transferidos Marinha Americana e possuem os nomes de batismo Kermit, de matrícula N42RF e o Miss Piggy, com registro N43RF. São baseados na base aérea de MacDill, próximo à Tampa no estado da Flórida, estrategicamente localizado para a caça de furacões.

 

2. Gulfstream G-IV

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Gulfstream G-IV-SP da NOAA: Detalhe para o nariz e cauda modificados devido aos radares doppler.

Quando o nome Gulfstream é citado, para muitos é sinônimo de luxo, conforto e velocidade. Mas não é isso que você irá experimentar voando no Gulfstream G-IV da NOAA, os voos são poucos confortáveis, turbulência severa é procurada, tudo isso voando por mais de 6 horas se necessário.

O G-IV tem uma função similar ao do WP-3D, porém voa acima e ao lado do furacão, capturando dados da atmosfera superior usando também um radar doppler e diversas sondas. As informações em alta altitude são usadas para detectar sistemas meteorológicos e padrões sinópticos ao redor do furacão. O radar capta a intensidade e forma do ciclone, que é mostrada em um display em um formato parecido com uma visão cortada de um bolo de casamento de cabeça para baixo.

 

3. Lockheed Martin WC-130J Weatherbird

DOBBINS AIR RESERVE BASE, Ga. - An Air Force Reserve Command WC-130 Hercules sits on the runway here. The Hurricane Hunters from the 53rd Weather Reconnaissance Squadron evacuated their home at Keesler Air Force Base, Miss., before Hurricane Katrina slammed the Gulf Coast. Despite their own personal losses, the reservists continued to track tropical storms in the Caribbean. (U.S. Air Force photo by Bo Joyner)

O 53rd WRS é a única unidade militar do EUA a realizar voos de pesquisa meteorológicas. O esquadrão que tem o nome oficial de Hurricane Hunters nasceu no final da Segunda Guerra Mundial, realizando missões especiais de previsão meteorológica para as tropas no solo e mostrando o caminho “limpo” para a vitória dos aliados.




Atualmente o Hurricane Hunters conta com 10 aeronaves WC-130J Weatherbird, uma variante do Lockheed Martin C-130J Super Hércules.

Ao contrário das aeronaves da NOAA, o WC-130J não possui nenhuma grande modificação externa, apenas conta com um tanque subalar em cada asa para um alcance estendido e um radiômetro na asa esquerda para detecção de radiação térmica eletromagnética, oferecendo um resultado da formação geral do ciclone tropical.

 

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Oficial de Carga do WC-130J manipula uma sonda para lançamento.

 

No compartimento de carga do Weatherbird estão dois pallets para sua missão, em um deles está o sistema de lançamento de sondas que é usado nos aviões da NOAA, no outro pallet está contido o computador meteorológico que compila os dados enviados pelas sondas, do próprio radar meteorológico do avião e de outros sensores da aeronave. Além de caçarem furacões, o 53rd WRS é utilizado para apoio das operações de forças especiais e regulares, provendo dados meteorológicos em tempo real para as tropas em solo.

A tripulação do WC-130J Weatherbird é composta por 5 membros: piloto, co-piloto, navegador, oficial de reconhecimento meteorológico e um oficial de cargas/operação da sonda. Por ser uma aeronave com uma missão especifica, é designado à Reserva da Força Aérea Americana, e maioria dos seus pilotos possuem outro trabalho civil. Mesmo assim é possível estarem em um furacão em até 16h após o acionamento e podendo cobrir 3 ciclones ao mesmo tempo por 24 horas ininterruptas.

4. Northrop Grumman RQ-4 Global Hawk

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A NASA é conhecida por usar uma variedade de aeronaves em diversos estudos aeroespaciais, e com climatologia não é diferente. No recente caso do Furacão Matthew, a NASA usou a sua aeronave não-tripulada – também conhecido como Drone/VANT/UAV – o modelo RQ-4 Global Hawk da Northrop Grumman.

O RQ-4 é conhecido de alguns devido suas aparições em filmes modernos como um drone de vigilância e ataque, porém na NASA ele exerce outra função. Carregando a bordo um radiômetro de alta altitude e um lançador automático de sondas, o Global Hawk consegue monitorar furacões de maneira autônoma. Outro diferencial é o seu teto de serviço de 60,000 mil pés, equivalente a 18 mil metros, altitude que não é alcançável por aviões tripulados. O avião não-tripulado pode voar por 24 horas seguidas, e se desloca sem problemas de sua base na Califórnia até a costa da Flórida, realiza a sua missão e retorna sem necessidade de reabastecimento.

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A NASA manteve as câmeras de reconhecimento originais do RQ-4, na foto é possível ver o Global Hawk a 60.000 pés de altitude sobre o Furacão Frank.

Caçando Furacões

Com aeronaves e tripulações prontas para a partida, é hora de decolar e enfrentar a tormenta. Para uma avaliação precisa do furacão é necessário ir até o olho do mesmo, onde é possível detectar a velocidade e direção do ciclone. Porém para chegar no centro do furacão, é necessário ultrapassar a parede do olho, sendo a parte mais turbulenta da missão com ventos de 300km/h em todas direções forçando a estrutura da aeronave.

O WP-3D Orion faz uma entrada padrão a 18.000 pés (5.840m) de altitude, e voa direto para o olho do furacão. O avião é robusto, mas mesmo assim são necessários reforços estruturais. Apesar de tudo, em 1989 a NOAA quase perdeu um avião e sua tripulação. Durante os trabalhos no Furacão Hugo, quando dois motores do WP-3D vieram a falhar enquanto este atravessava a parede do ciclone, sendo necessário ajuda de um WC-130 que estava na mesma missão para avaliação visual externa dos danos. Apesar do grande susto, a tripulação conseguiu retornar à base em segurança.

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Cabine de voo do Gulfstream G-IV durante a missão do Furacão Matthew.

Já com o WC-130J, a entrada é realizada em um altitude mais baixa, de 10.000 pés (3.000m), realizando a entrada padrão pela parede até o olho, e do olho para fora do furacão. Este padrão de entrada e saída é repetido várias vezes para uma coleta completa de dados. Em 1974 uma tripulação de WC-130H realizava uma missão de reconhecimento do Tufão Bess, próximo as Filipinas, quando na sua segunda reentrada perdeu contato rádio com o controle de tráfego aéreo e aeronave desapareceu do radar. Após as buscas não foram localizados os corpos dos 6 tripulantes e a aeronave em si, apenas poucos destroços foram encontrados e os militares foram dados como mortos.




Apesar do perigo do voo, missões dos Hurricane Hunters são feitas sempre quando um ciclone tropical se aproxima da costa dos EUA. O alerta antecipado evita prejuízos humanos e financeiros, algo que ficou claro na tragédia do Furacão Katrina em 2005, quando o governo federal americano demorou a dar uma resposta à altura do furacão e milhares de habitantes sofreram por isso.

No caso atual do Furacão Matthew, os alertas foram acima do necessário exatamente no sentido de evitar uma nova tragédia. Esta estratégia até agora tem funcionado, com número baixo de vítimas fatais nos EUA. E para continuar este serviço, os Caçadores de Furacões sempre estarão prontos para voar em qualquer condição.

A C-130J Hercules is cleaned up in the new wash system at Keesler Air Force Base, Miss. Aircraft from the Air Force Reserve Command's 403rd Wing fly many hours over the Gulf of Mexico. Salt and moisture could lead to corrosion if aircraft are not kept clean. The new wash blasts aircraft with 2,000 gallons of water per minute, emitting 150 pounds of pressure from each of its 40 nozzles. (U.S. Air Force photo/Tech Sgt. Jame Pritchett)
Após diversas horas sobre o oceano e dentro do furacão, é necessário um banho na aeronave para dessalinização.

Informações pelo Escritório de Operações Aéreas e Marítimas da NOAA, pelo Centro de Pesquisas em Voo Armstrong da NASA, pela Associação Hurricane Hunters, pela comunicação social da USAF e da assessoria de imprensa da Lockheed Martin.

 

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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