No interior de SP, este Boeing 737 ex-VARIG ganhou nova missão na Ambipar após deixar o céu

Embora aviões sejam apenas objetos inanimados, para a maioria dos admiradores ou apaixonados por aviação, no entanto, cada um deles possui quase que uma alma própria, por levar consigo características como um histórico de integrações aéreas entre destinos e uma história de operações por diferentes empresas aéreas e países.

Assim sendo, quando uma aeronave é “salva” de ser picotada para ser vendida como retalhos de metal de ferro-velho, é sempre uma alegria aos loucos por aviação. Melhor ainda quando o “pássaro tecnológico” se torna uma peça de preservação em uma coleção privada ou em um museu, mas, quando não é o caso, já é de grande valia o fato de ao menos ganhar uma nova função ao invés de ser destruído.

E este é exatamente o caso do Boeing 737-300 que virou tema desta matéria. Hoje localizado na empresa Ambipar, às margens da Rodovia Anhanguera (SP-330) na cidade de Nova Odessa (SP), o jato operou na antiga Viação Aérea Rio Grandense, a saudosa VARIG, e agora, longe dos céus, ganhou uma nova missão em solo.

Para conhecer os detalhes sobre esta “nova vida” deste Boeing, fomos até a referida empresa para conferir “in loco” a aeronave, por fora e por dentro. Mas antes, para entendermos melhor o porquê deste equipamento ter terminado onde terminou, vejamos a seguir o que faz a Ambipar. Quem nos recebeu e nos apresentou a empresa foi Natália Santana, da área de Marketing.

Ambipar, uma multinacional brasileira

Com sede em Nova Odessa, a Ambipar é uma multinacional brasileira com presença em 16 países da América do Sul, Europa, África, América do Norte e, até mesmo, Antártida.

Natália nos explicou que a empresa é formada pela Ambipar Environment e pela Ambipar Response, dois segmentos de referência no mercado de gestão ambiental, que têm em seu DNA o comprometimento com as questões sustentáveis, trabalhando os Pilares ESG (Environmental, Social and Governance, ou seja, Ambiental​, Social e Governança) dentro de seus negócios e apoiando seus clientes.

Além das soluções ambientais através do setor de PD&I (Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação), também adquiriu duas empresas de software, reforçando sua atuação na gestão ambiental, garantindo um compliance efetivo, contando com tecnologia e inteligência artificial.

Central de monitoramento, atendimento e resposta a emergências da Ambipar

Com diversas patentes registradas de produtos sustentáveis, a Ambipar promove a economia circular e auxilia empresas com a destinação correta de seus resíduos.

Dentre as principais inovações que vimos no laboratório de pesquisas da empresa, destacam-se o ECOSOLO, um condicionador de solo produzido através de resíduos orgânicos, e o ECOBASE, base para estradas e artefatos cimentícios para construção civil utilizando resíduos minerais oriundos da indústria de papel e celulose, bem como o COLLAGEN, sabonete desenvolvido à base de colágeno oriundo das indústrias farmacêuticas.

Laboratório de pesquisa e inovação da Ambipar

A Ambipar abriu capital em julho de 2020, tornando-se a primeira empresa de gestão ambiental a entrar na B3, a bolsa de valores do Brasil, e, até a publicação desta matéria, suas ações já acumulam valorização de cerca de 60% em menos de 1 ano.

Possui diversas certificações, dentre elas a ISO (9001, 14001, 45001, 22320), Sistema de Avaliação de Saúde, Segurança, Meio Ambiente e Qualidade (SASSMAQ) e segue os indicadores GRI (Global Reporting Initiative). Além disso, conquistou a certificação Together for Sustainability (TFS), participa do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entre outras. A organização é signatária do Pacto Global.

A Ambipar na aviação

Com sua expertise e relevância na área ambiental, não seria surpresa saber que a Ambipar também atua em segmentos relacionados à aviação, já que este mercado é cada vez mais focado na segurança e preservação ambientais, nos pilares ESG e, agora em meio à Covid-19, também na saúde dos funcionários e clientes.

No início da pandemia, por exemplo, o governo britânico demandou da Ambipar a desinfecção da aeronave da empresa aérea espanhola Wamos, que fez o transporte dos cidadãos britânicos de Wuhan, na China, para a Inglaterra. Desde então, as solicitações de desinfecção de aeronaves têm sido crescentes.

A Ambipar está muito bem posicionada no segmento aéreo, possuindo contratos com fabricantes de aeronaves com foco em gerenciamento total e valorização de resíduos, além de contratos com aeroportos com foco na prontidão para atendimento emergencial e demandas de desinfecção de aeronaves de companhias aéreas.

Portanto, é aqui que começa a se fazer presente a relação entre a empresa multinacional e o Boeing 737 da série Classic que já voou na VARIG.

O Boeing 737 da Ambipar

Para conhecer o Boeing 737-300 e sua nova função, além de Natália, fomos acompanhados também por Adilson Araújo, Coordenador do Campo de Treinamentos da Ambipar. É neste campo de treinamento que hoje repousa a aeronave, com a destacada cor verde característica da empresa ambiental.

No Centro de Treinamento Multimodal da Ambipar em Nova Odessa, o maior da América Latina voltado para atendimento a emergências, Adilson nos explicou que a aeronave é ocupada em treinamentos dos profissionais de resposta a emergências, entre eles bombeiros, resgatistas, profissionais de saúde, técnicos de resposta a emergências com produtos perigosos, militares e profissionais de diversas áreas da segurança pública do Brasil e de outros países.

Centro de Treinamento Multimodal da Ambipar em Nova Odessa, com dezenas de cenários para simulações

Com toda essa infraestrutura de ponta, a Ambipar destaca que está aberta a novas parcerias com empresas aéreas e aeroportos que estejam interessados em usar o Boeing 737 para treinamentos de emergência.

Além dos treinamentos atualmente feitos, por exemplo de resposta emergencial a sequestros e ataques com armas químicas a bordo, a empresa almeja também uma adaptação da aeronave para que possa ser usada em treinamentos de tripulantes para evacuação de passageiros via escorregadeiras.

No interior da aeronave, Adilson nos mostrou que adaptações estão sendo feitas para que a cabine de passageiros seja usada também como um complexo de instrução. Com a instalação de telas retráteis no teto, para projeção de imagens, a aeronave poderá ser dividida em seções menores através de repartições, para a realização de apresentações a grupos em treinamentos.

O cockpit, com um painel ilustrativo devido à ausência dos instrumentos originais

Histórico da aeronave

Segundo a Ambipar, esta aeronave foi adquirida em novembro de 2018 de um colecionador do estado do Paraná. A escolha desta aeronave em específico levou em consideração diversos aspectos, como disponibilidade, porte da aeronave, características técnicas e a conservação.

Quando adquirido, o Boeing 737 já estava desmontado, e toda a operação de movimentação e transporte até Nova Odessa levou 7 dias, envolvendo 4 guindastes, 2 caminhões prancha (1 para a fuselagem e 1 para as asas e cauda), 1 caminhão furgão (para o trem de pouso) e 1 veículo de escolta, todos contratados e geridos pela própria Ambipar.

O Boeing 737 sendo posicionado no centro de treinamento em 2018 – Imagem: Ambipar

Imagem: Ambipar

Todas as etapas apresentaram suas dificuldades, desde a movimentação na origem até a chegada. No deslocamento, por exemplo, havia questões como o trajeto em zona rural, áreas de difícil acesso, dificuldade nos giros das carretas e restrição de circulação pela dimensão da carga.

Na preparação da área onde a aeronave seria montada, os desafios foram o planejamento de carga, a compactação e asfaltamento do terreno e o dimensionamento do berço para receber a aeronave. No caso da montagem e entrega final da aeronave, havia, por exemplo, a necessidade de carga do sistema de trem de pouso com nitrogênio e a fabricação de escada de acesso.

O tempo de montagem foi de 30 dias. Foram contratados 4 mecânicos (ex-VASP – Viação Aérea São Paulo) para coordenar todo o trabalho, que contou com o apoio de mais 7 pessoas da Ambipar e contratados. Os envolvidos ainda precisaram “dar um jeito” para fazer a montagem das asas, pois a região de junção com a fuselagem havia sido, no passado, cortada ao invés de desmontada.

A adaptação sendo feita para a fixação das asas – Imagem: Ambipar

Asa direita sendo preparada para a montagem – Imagem: Ambipar

Asa esquerda sendo montada – Imagem: Ambipar

Detalhe da fixação improvisada das asas – Imagem: Ambipar

Imagem: Ambipar

Instalação do trem de pouso – Imagem: Ambipar

Um fato curioso é que o estabilizador vertical, visto nas imagens acima com as cores da VASP, não é uma peça original da aeronave. Quando adquirido, o 737 estava sem esta parte e, para completá-lo, a Ambipar conseguiu obter o estabilizador que pertenceu a um 737-200 da antiga empresa aérea paulista.

Sobre o histórico operacional da aeronave, a Ambipar sabia apenas que se tratava de um Boeing 737-341 que foi sucateado antes de ser vendido ao colecionador do estado do Paraná. Assim sendo, o traço -341 do modelo remete aos aviões entregues diretamente pela Boeing à VARIG, portanto, certamente se trata de uma aeronave que voou na “Pioneira”.

Mas, no fundo da aeronave, encontramos uma marcação que confirma de que avião estamos falando. Acima do que ainda resta da galley traseira, um adesivo revela: PR-WJI.

Adesivo na parte superior da galley ao fundo da aeronave

Trata-se do jato de número de série 26857, fabricado em 1992 e entregue à VARIG para voar sob a matrícula PP-VPC. Depois de 16 anos, em 2008, passou às cores da Webjet Linhas Aéreas, quando ganhou a matrícula PR-WJI, a qual usou até ser retirado de serviço e, alguns anos mais tarde, ter se tornado o protagonista dos acontecimentos descritos nesta matéria.

À Natália, ao Adilson e à Ambipar, bem como à Sueli Gomes, da Spin Comunicação, deixamos aqui nossos agradecimentos pela atenção dada e pela abertura das portas da empresa para conhecermos de perto este avião que, por cerca de 20 anos, transportou milhares de pessoas como parte da aviação comercial brasileira.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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