A Fitch Ratings, uma das maiores agências de análise de risco de crédito no mundo, espera que o acordo entre a Boeing e a Embraer seja positivo para a nota de crédito da Embraer em maioria dos cenários, e neutro para a Boeing.
A Fitch não realizou ações de rating pois a joint venture proposta ainda se limita a um memorando de entendimento não vinculante. Logo, ainda há significativos aspectos operacionais e financeiros a serem negociados e importantes questões de crédito todavia não foram divulgadas ou inteiramente determinadas, inclusive o que acontecerá com a dívida em circulação da Embraer. O impacto financeiro da operação provavelmente não será sentido até o segundo semestre de 2019.
As negociações estavam em andamento há mais de sete meses, e as empresas anunciaram na manhã de quinta-feira um esboço da transação. Segundo o memorando de entendimento, a Boeing adquiriria o negócio de fabricação de aeronaves comerciais e serviços da Embraer, criando uma joint venture avaliada em USD4,75 bilhões (valor ainda sujeito a ajustes). A norte-americana pagaria USD3,8 bilhões pelo negócio, e a companhia brasileira teria 20% da nova empresa, cujo controle ficaria com a Boeing. A Fitch acredita que a joint venture será consolidada nos resultados financeiros da fabricante norte-americana. A Embraer terá opção de venda de seus 20% de participação após dez anos.
As operações de defesa e de jatos executivos da Embraer não serão incluídas na transação, embora as duas companhias tenham mencionado que provavelmente haverá uma JV de produtos e serviços de defesa.
A junção ampliaria a carteira comercial da Boeing para a ponta mais baixa do mercado de aeronaves comerciais com cabine estreita e para o mercado de jatos regionais, com a família E2 de aeronaves da Embraer. Deve haver mínima ou nenhuma sobreposição de negócios, e a joint venture seria uma resposta estratégica à tomada de controle do programa CSeries da Bombardier pela Airbus, o que provavelmente aumentaria a concorrência para o programa E2. Assim, a união com a Boeing pode ajudar o E2 a competir melhor por pedidos das companhias aéreas e de leasing. Outro benefício seria a consistência com as estratégias de serviços e a integração vertical da Boeing, que teria acesso à altamente qualificada força de trabalho da Embraer, principalmente seu grupo técnico de engenheiros. As principais questões seriam os riscos de integração, as diferenças culturais e o timing das sinergias previstas.
Considerações de Crédito da Boeing
A Fitch assume que o pagamento dos USD3,8 bilhões será feito com caixa, embora acredite que também possa haver assunção de dívida. Se todo o valor envolver caixa, a Fitch acredita que a Boeing usará o caixa disponível, complementado por emissão de dívida.
Os riscos de crédito de fusão e aquisição para a Boeing têm aumentado, como resultado de potenciais transações estratégicas, como a proposta de JV com a Embraer e a aquisição, ainda pendente, da KLX Aerospace Solutions Group (KLX) por USD4,25 bilhões. Estes riscos são atenuados por substancial geração de caixa (estimativa de FCF pós-dividendos de USD8,0-USD9,0 bilhões anuais), considerável liquidez e baixa alavancagem para os atuais ratings. A Fitch calcula que a alavancagem da Boeing (dívida ajustada/EBITDAR) esteja em aproximadamente 1,0 vez, que se posiciona abaixo do ponto médio das companhias aeroespaciais e de defesa com rating ‘A’. Os ratings atuais consideram que a Boeing possui vários bilhões de dólares de excesso de liquidez e de capacidade de endividamento.
A aquisição da Embraer ou da KLX, individualmente, não afetará os ratings da Boeing. Entretanto, a combinação de impactos, aliada à continuidade da intenção da Boeing de retornar 100% do fluxo de caixa livre (FCF) aos acionistas, pode exigir permanente captação de dívida. Isto utilizaria grande parte da capacidade de endividamento da Boeing prevista nos ratings, podendo levar a uma revisão dos ratings ou da Perspectiva, a depender das condições finais da transação com a Embraer, da geração de caixa em 2018 e 2019 e de possíveis novas fusões e aquisições. O risco do perfil de crédito da companhia também poderia crescer em um cenário negativo.
A Boeing pretende financiar a transação da KLX com caixa disponível (USD9,9 bilhões no final de março), complementado por dívida, se necessário. A Fitch acredita que a dívida consistiria de commercial papers temporários. A Boeing espera fechar a transação no terceiro trimestre, após cisão do Grupo de Serviços de Energia da KLX e aprovação regulatória e dos acionistas da companhia a ser adquirida. As preocupações da Fitch sobre a transação incluem seu valor (superior a 14,0 vezes o EBITDA projetado para 2018) e os riscos de integração.
Considerações de Crédito da Embraer
A Fitch acredita que a associação provavelmente será positiva para os ratings da Embraer, mas existem questões do escopo do crédito que precisam ser definidas. Assim, a agência só conseguirá avaliar o impacto nos ratings após conhecer os termos finais da transação. Os principais aspectos a serem abordados são os ratings das dívidas da empresa, pois algumas migrarão para a joint venture, e o rating individual da Embraer com as operações remanescentes. As principais incertezas incluem a migração da dívida e o uso do caixa recebido pela companhia. Quanto aos bonds da Embraer, dependendo da estrutura final, uma combinação pode acionar a cláusula de mudança de controle.
A Embraer indicou que a maior parte dos títulos migraria para a joint venture, embora não tenha mencionado valores. A dívida relativa à aviação comercial iria para a joint venture, mas sua definição não ficou clara. A Fitch acredita que a maior parte da dívida seria relacionada às operações de aviação comercial, sendo, portanto, transferida para a joint venture. O balanço da nova empresa é um dos principais elementos ainda em negociação, logo, é difícil avaliar o perfil de crédito dos bonds. Alguns cenários incluem refinanciamento ou assunção da dívida pela Boeing. Caso estas hipóteses não se concretizem, a Fitch analisaria o quanto de suporte da Boeing seria incorporado aos ratings dos títulos da joint venture.
Segundo a Embraer, a posição de caixa líquida no fim da transação seria substancial e há possibilidade de distribuir dividendos especiais, além de recomprar ações. Estes fatores, assim como a dívida a ser retida pela companhia, serão avaliados pela Fitch nos ratings do negócio remanescente. Controlando apenas o segmento de defesa e de jatos executivos (+20% da joint venture de aviação comercial), o perfil de negócios da Embraer ficará mais fraco.
Pela Assessoria de Imprensa da Fitch Ratings