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O dia em que a Venezuela teve três aeronaves sequestradas ao mesmo tempo

DC-9-50 da LAV, em foto de 2001. IMAGEM: Aero Icarus via Wikimedia Commons

Se os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 chocaram muito pela tragédia sem precedentes causada pela ação coordenada de um grupo de sequestradores que tomaram, ao mesmo tempo, quatro aeronaves em voo, sem o mesmo terrível resultado, a Venezuela vivenciou uma situação semelhante 20 anos antes do ataque liderado por Osama Bin Laden.

No dia 5 de dezembro de 1981, o grupo guerrilheiro Bandeira Vermelha comandou o mais espetacular caso de sequestro aéreo na história venezuelana. Três aeronaves foram obrigadas a desviar de suas rotas ao mesmo tempo e os passageiros e tripulantes feitos reféns em troca da liberação de presos ligados ao movimento comunista em El Salvador. O bando também apoiava a independência de Porto Rico e a soberania de Cuba.

Entre 6h15 e 6h30 da manhã do sábado, o grupo de 11 homens se dividiu em três e embarcou em diferentes voos que partiam do Aeroporto Internacional de Marquetía, atualmente chamado “Simón Bolívar”, que atende à capital do país.

Dois DC-9-50 operados pela Línea Aeropostal Venezolana (LAV) e um Boeing 727-200 companhia aérea Aerovías Venezolanas Sociedad Anónima (AVENSA) foram sequestrados. Um total de 243 passageiros e 27 tripulantes estava a bordo das três aeronaves.

YV-21C

Era um DC-9 da LAV que tinha acabado de decolar com 83 pessoas a bordo rumo a cidade venezuelana de Barcelona, quando o grupo de quatro homens invadiu a cabine e obrigou o piloto a desviar para Aruba, território holandês na costa venezuelana.

Os sequestradores estavam fortemente armados com três pistolas 9mm, duas submetralhadoras e uma granada de mão, segundo relatos da época. Em Aruba, trocaram 21 mulheres e crianças por combustível e decolaram novamente para pousar em Barranquilla, na Colômbia, onde liberaram mais 12 pessoas.

Reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, de 8 de dezembro de 1981, detalha a crise.

Após o reabastecimento, os bandidos seguiram para Tegucigalpa, em Honduras, onde outros 10 passageiros foram liberados. Com 40 pessoas a bordo, a aeronave decolou, pela quarta vez, dessa vez para El Salvador onde, ao tentar pousar, a polícia bloqueou a pista, e dali voaram até o país vizinho, Panamá. Lá, colocaram mais combustível, decolaram mais vez, e seguiram para Havana, em Cuba.

Por ironia do destino, a mesma aeronave foi vítima de um novo famoso sequestro, em 29 de julho de 1984, quando dois homens mantiveram reféns 87 pessoas por 38 horas, voando de Caracas para Trinidad e Tobago, Aruba e terminando em Curaçao, no Caribe. O caso terminou sem vítimas entre os reféns, mas uma mulher grávida passou mal e abortou.

YV-25C

O segundo DC-9 da LAV foi sequestrado poucos minutos depois do anterior, logo após a decolagem que tinha a cidade de Puerto Ordaz, no nordeste da Venezuela, como destino. Os 85 passageiros e tripulantes foram rendidos por três homens armados com duas pistolas 9 mm, uma submetralhadora e um revólver .38.

Fez um roteiro parecido com o do voo parceiro: Barranquilla, Honduras, Panamá e, por fim, Cuba. Em cada parada, um pequeno grupo de pessoas era libertado.

DC-9 YV-25C da LAV, em foto de 2001. IMAGEM: Aero Icarus via Wikimedia Commons.

YV-74C

O Boeing 727-200 da AVENSA foi a terceira aeronave sequestrada naquela manhã de dezembro, menos de 15 minutos depois da partida do primeiro voo atacado. Os 87 passageiros voavam para a pequena San Antonio del Táchira, no extremo Oeste do país. Mais uma vez, quatro homens fortemente armados, seguiram primeiramente para a cidade colombiana que já tinha recebido os dois outros voos.

Depois de libertar um grupo de reféns, o Boeing seguiu para a Guatemala e, em seguida, para o Panamá. Neste último país, a polícia tentou atacar os sequestradores, missão que resultou em um bandido ferido e várias marcas de tiro na fuselagem. Mesmo assim, o Boeing decolou e se juntou ao restante do grupo, na capital cubana.

Boeing 727-200 da Avensa, sequestrado na Venezuela, em foto de 1989. IMAGEM: Kambui via Wikimedia Commons

Fim

O triplo sequestro levou a um caos na aviação regional. Os espaços aéreos da Venezuela, Panamá e Nicarágua foram totalmente fechados e os voos cancelados. Outros países como Colômbia e Honduras implementaram medidas de contingência e uma ampla orquestração internacional foi montada para administrar a crise.

No aeroporto colombiano, os três aviões chegaram a ser enfileirados e isolados no fim da pista para condução das negociações. Mesmo a ampla operação de emergência montada não evitou a decolagem de todas as aeronaves por volta das 16h, depois que mulheres e crianças foram liberadas.

Em Cuba, depois de uma longa negociação cercada de mistérios, já que a imprensa foi precariamente informada dos acontecimentos pela ditadura comunista do país caribenho, os sequestradores se renderam e os últimos reféns foram libertados. As aeronaves e os sequestrados só foram liberados para retornar para a Venezuela quatro dias depois, em 9 de dezembro. Já os sequestradores permaneceram presos em Cuba.

Até então, apenas um caso de sequestro aéreo podia ser comparado à crise venezuelana. Em 6 de setembro de 1976, três aviões que voavam da Europa para Nova Iorque, nos Estados Unidos, foram sequestrados com 475 passageiros a bordo. Os terroristas eram membros da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP). Uma quarta tentativa de sequestro simultâneo foi frustrada.

As aeronaves foram desviadas para o Egito e para a Jordânia, onde as negociações duraram seis dias até a libertação dos reféns. Um quarto avião foi sequestrado pelo mesmo grupo em 9 de setembro, que terminou com a explosão de uma bomba na aeronave em solo, mas sem feridos.

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