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O plano da Lufthansa para salvar a Varig

ESPECIAL

O ano era 2005. A Varig, a maior estrela brasileira, estava no seu pior momento: dívidas bilionárias e uma imensa confusão institucional. A companhia já tinha passado por inúmeras administrações nos últimos meses, mas nenhuma chegou perto de resolver o problema da empresa.

E é aí que entra a Lufthansa Consulting, renomada empresa de consultoria subsidiária da companhia aérea alemã. A empresa fez um plano para salvar a aérea brasileira, que nunca foi posto em prática mas que revelava os principais problemas da Varig, e como seria possível solucioná-los.

As informações a seguir foram todas extraídas do “VARIG Recovery Plan – Operational Restructuring Plan” da Lufthansa Consulting, concluído no dia 9 de setembro de 2005. São mais de 200 páginas elencando diversos pontos problemáticos da empresa e as práticas para reverter a situação. Selecionamos os principais pontos.

O ponto de partida

Toda a estratégia do plano era para um prazo de cinco anos, com meta de aumentar a margem operacional da companhia de 0,7% para 5,2% no primeiro ano e 12% nos quatro anos seguintes.

Para isso a Lufthansa elencou os principais problemas e ameças na Varig na época:

  • Dívidas de $4 bilhões de dólares sem condições de serem pagas (falta de liquidez);
  • 14 aeronaves paralisadas que causavam prejuízos e constantes reajustes na malha;
  • Frota diversificada com os Boeings 727F, 737-300, -400, -500, -700 e -800, 757, 767, 777 e McDonnell Douglas MD-11, além de problemas de falta de padronização em aeronaves do mesmo modelo que possuíam motores diferentes e configuração interna distinta;
  • Excesso de pessoal: em torno de 1650 pilotos e co-pilotos, sendo que o número necessário era bem abaixo disso;
  • Falta de consciência da situação delicada da empresa pelos empregados e sindicatos. Pedidos e demandas eram realizados sem considerar o risco que isso traria para a empresa.

Ponto-a-Ponto do Plano

Logo após a listagem, a Lufthansa especificou todos os pontos em que cada um dos problemas poderia ser mudado para trazer a companhia de volta à glória. Clique a seguir sobre cada item para ver mais detalhes.

Desverticalização e centralização

A estrutura da Varig se assemelhava a uma empresa disfuncional com estrutura burocrática e verticalizada (termo dada no caso em que a empresa detém todas ou a maioria das etapas do processo para produção do produto ou serviço).

A solução para isso seria reduzir posições de grande hierarquia e separar a operação e os processos da VEM (Varig Engenharia e Manutenção) e da VarigLog (divisão de cargas), tratando-as como fornecedor e cliente, respectivamente.

Outro ponto seria centralizar as operações da empresa em São Paulo: apesar de ser o maior mercado da companhia no país, as bases de manutenção da Varig eram no Rio e em Porto Alegre, e as regionais RioSul e Nordeste possuíam bases em Porto Alegre e Salvador, respectivamente. Concentrar as operações e decisões em São Paulo traria maior agilidade para a empresa.

Os benefícios nestas ações seriam a diminuição de custos com viagens de empregados e com ligações, e redução de translado de aeronaves para manutenção. Porém as desvantagens seriam o ICMS sobre o combustível, que em São Paulo era 21% maior que no do Rio na época, e a necessidade de construir/alugar uma estrutura para acomodar os escritórios da empresa que seriam transferidos.

Incorporação da RioSul e da Nordeste, e venda da VarigLog

Na época do relatório a RioSul e a Nordeste funcionavam como subsidiárias sem completa integração à Varig e também sem plena independência.

Segundo a Lufthansa, as duas regionais deveriam ser incorporadas de vez para reduzir custos. Para isso, primeiro seriam necessários investimentos para acabar com a falta de sinergia das empresas. Existia também o risco dos Certificados de Homologação de Empresa Aérea (CHETA) das regionais serem perdidos.

A potencial venda da VarigLog, a divisão de carga aérea da Varig, era considerada pela Lufthansa. A empresa ainda não era completamente separada da Varig: os salários dos 297 empregados eram pagos pela matriz.

Caso ocorresse a venda, a VarigLog teria que provar o seu valor no mercado e teria um potencial de crescimento a longo prazo.

Reestruturação do Flight Training Center e possível venda

A Varig, como dito acima, possuía uma grande verticalização. Prova disso era o Varig Flight Training Center, um grande complexo com unidades em Porto Alegre, São Paulo e Rio, com simuladores para prover treinamento para pilotos.

O complexo contava com simuladores do mais alto nível das aeronaves Embraer E145, Boeings 707, 737-200, 737-300, 747-300 e 767-200, além de dispositivos de treinamento do DC-10 e do 727-100.

Em torno de 60% das horas dos simuladores eram utilizadas pela Varig e 40% por outras empresas aéreas. Mas mesmo assim os simuladores viviam parados. Apenas o do 737-300 era rentável e principalmente os do E145, 707 e 747 estavam às moscas. Além disso a empresa mantinha simuladores de aeronaves que não mais operava.

Para reverter a situação, era necessário centralizar os simuladores em São Paulo e desativar todos os não utilizados, trazendo lucro para o centro para depois efetuar a venda do mesmo.

Malha e Rotas

Os principais problemas na malha giravam em torno da falta de estruturação de um grande hub: a grande operação da empresa era dividida entre Congonhas, Guarulhos, Santos Dumont, Galeão e Porto Alegre.

Isso complicava a conectividade e fazia com que a empresa tivesse pouco benefício como membro da Star Alliance. E mesmo fazendo parte desta aliança, possuía poucos voos em codeshare com as empresas membro.

Alguns voos domésticos possuíam números de voos internacionais, como o RG8740 que fazia CNF-GRU-FRA, para reduzir o tempo de conexão no sistema de reserva de 90 para 60 minutos. O primeiro trecho era operado pelo Boeing 737 e o seguinte com o MD-11 ou 777.

Esta ação apesar, de diminuir o tempo de conexão, gerava custos maiores devido às cobranças de taxa de pouso e sobrevoo, que são maiores para voos internacionais mesmo no trecho doméstico. Apesar do ICMS reduzido nos voos internacionais, não era viável manter esse tipo de operação.

Para solucionar esse problema a empresa iria concentrar suas operações em Guarulhos, tornando-o um hub do sul da América do Sul para a Europa e América do Norte. Além disso a Varig deveria voar mais para aeroportos “Star Alliance”, como o Chicago O’Hare, e utilizar o mesmo terminal de empresas associadas, o que não acontecia por exemplo em Los Angeles com a United.

Frota

Em setembro de 2005 a Varig possuía 14 aeronaves paradas por falta de peças: oito Boeings 737-300, um 737-800, dois 777 e um MD-11. Isto gerava um impacto negativo na malha, e continuaria gerando mesmo se a companhia fosse remodelada.

A ideia da Lufthansa era renegociar pedidos de aeronaves e simplificar a frota. Na época a Varig tinha contrato com 15 empresas diferentes de leasing, um número bem acima da média. Fato que gerava atrasos, já que as negociações tinham que ser feitas uma a uma e sem muito poder de barganha devido à pouca quantidade de aeronaves de cada lessor.

A proposta incluía a aposentadoria do MD-11, que seria substituído completamente pelo Boeing 777, além da retirada dos 737-400 e -500 em favor do -300. Para rotas médias seria mantido apenas o Boeing 757.

Operações

A Varig nunca seguiu uma operação eficiente em diversos aspectos levantados pela Lufthansa.

Um dos exemplos era o cálculo fixo de combustível para a ponte aérea e outras rotas: do Santos Dumont para Congonhas no Boeing 737-300 eram carregados 7.700kg de combustível, e no sentido inverso eram 5.500kg.

A empresa não utiliza o chamado Cost Index e não levava em consideração custo atualizado do combustível, variações de vento e nem a possível pista de pouso. Tudo por conta da falta de cultura para isso na empresa e pela falta de software para cálculo.

Na hora de escolher o aeroporto de alternativa, também ocorriam erros: por padrão o Galeão era o alternativo de Guarulhos, ao invés de Viracopos que é muito mais próximo e que geraria economia no combustível. O mesmo acontecia nos voos internacionais: Filadélfia como alternativo de Nova Iorque ao invés de Newark, e Paris como alternativa de Londres Heathrow ao invés de Londres Gatwick.

Tudo isso seria revertido com a digitalização de diversos sistemas de despacho, além de negociação junto ao DAC (hoje ANAC) para revisão no cálculo de combustível exigido por lei, dando liberdade para a Varig mudar o cálculo da seguinte maneira:

O cálculo utilizado era: o combustível necessário para a rota + 10% deste + o necessário para aeroporto de alternativa + 30 minutos. O plano da Lufthansa seguindo padrão da Star Alliance seria reduzir os 10% para 5% e os 30 minutos para 20 minutos.

Recursos Humanos

Provavelmente a parte mais delicada (e também mais importante) no plano de reestruturação da Varig seria o seu pessoal.

A Lufthansa concluiu que a Varig tinha mais funcionários que necessitava em todas as áreas da empresa. Mas o principal problema era nas operações de voo: 1677 pilotos e 3081 comissários para 78 aeronaves. Isso resultava numa taxa de 21,5 pilotos por avião e 39,5 comissários por aeronave.

Comparando com seis grandes aéreas estrangeiras e dez na América Latina, foi constatado que a Varig possuía respectivamente 45% e 55% mais pilotos do que as concorrentes estrangeiras e latino-americanas, e praticamente o dobro do que a empresa necessitava.

Para comissários a situação era mais razoável já que estava dentro da média global. A Varig chegou nessa situação por consequência da frota não homogênea e das muitas bases operacionais, que criavam uma escala muito irregular e incrivelmente geravam muitas horas extras.

Mas a Lufthansa apontou que este número extra era também resultado de Acordos de Convenção Coletiva que favoreciam em muito aos funcionários e complicavam demissões.

Outro ponto destacado pela Lufthansa era a questão de férias e licenças: funcionários da empresa tiravam em média apenas 13 dias de férias ao ano, as licenças/afastamento de trabalho de mais de 180 dias chegaram a 458 nos seis primeiros meses de 2005, e as licenças de mais de 15 dias e menos de 180 chegaram à marca de 582 no mesmo período.

E independente da questão de dia trabalhados, escalas, horas voadas, licenças, férias e outros fatores, a Varig sempre pagou o salário de maneira integral, causando divergências na previdência social.

Cortes e remanejamento

Para resolver todos estes problemas de RH, a Lufthansa colocou as seguintes propostas:

  • Recolocação/transferência de funcionários para a VEM e a VarigLog;
  • Corte de todos os 475 estagiários/trainees que geravam custo de $75 mil dólares mensais;
  • Redução drástica do número de pilotos (número exato foi colocado em sigilo no documento);
  • Hora-Extra apenas com aprovação da chefia;
  • Entradas forçadas em férias, especialmente para pilotos das aeronaves que estavam paradas;
  • Monitoramento e controle de licenças/afastamentos;
  • Renegociação do Acordo de Convenção Coletiva;
  • Estabelecimento de remuneração por performance: 15% do salário fixo dos empregados que ganhavam mais de R$10 mil seriam relacionados ao desempenho do funcionário;
  • Colocação de Caixa de Sugestões;
  • Retorno do programa de Aposentadoria Precoce;
  • Mudança drástica no método de seleção e recrutamento.

Todas estas mudanças no RH deveriam levar em consideração os preceitos legais e as regulações. O número exato de funcionários a serem dispensados deveria ser discutido com as áreas técnicas, além da abertura de um Programa de Demissão Voluntária.

O risco de resistência por parte dos sindicatos era grande, e a empresa deveria preparar o caixa para pagamento de compensações e multas.

Todos os dados acima são oriundos do documento original VARIG Recovery Plan – Operational Restructuring Plan de autoria da Lufthansa Consulting, obtido pelo AeroIN através do site Bankrupt.com.

Fotos da pioneira são do acervo do nosso eterno colaborador Benito Latorre.

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