O ridículo projeto de lei que limita diferença de preço entre classes tarifárias de voos

OPINIÃO/ANÁLISE

Em tempos de disputa política acirrada e eleições federais dentro de alguns meses, é fácil notar o descontentamento dos brasileiros com políticos. E aparentemente o Senado Federel tem se esforçado nisto, um exemplo claro é o Projeto de Lei nº 60 de 2018, de autoria do Senador Airton Sandoval do MDB (anteriormente PMDB) de São Paulo.




O projeto de lei do senado (PLS) define que tenha uma diferença de no máximo 50% entre as classes tarifárias das passagens aéreas. Classe Tarifária são as classes que as tarifas de um produto, neste caso a passagem aérea, são vendidas. Não confundir com classe econômica, executiva ou primeira classe que são classes de serviço.

Vamos exemplificar: num voo entre Rio e São Paulo com o Airbus A320 para 170 passageiros, 50 assentos são vendidos na tarifa mais barata que é a Promocional e não dá direito a bagagem despachada contendo uma multa alta para remarcação. Outros 80 assentos são dispobinilizados na tarifa Regular, que é mais cara que a Promocional porém dá direito a bagagem despachada, e os 30 assentos restantes são vendidos sob a tarifa mais alta que é a Premium com direito para despachar duas bagagens, embarque prioritário e sem multa para remarcar.

Ainda dentro destas tarifas existem outras, que são definidas por código como P, L, M, N, Q, T, V, X e etc. Estes códigos variam de cia.aérea para cia.aérea, e o que diferencia um de outro é o preço ou a porcentagem da “tarifa cheia” que será comercializada. Mas isto é papo para outra postagem.

Tendo definido o conceito de classe tarifária, é hora de voltar para o PLS60/2018, que limita a diferença entre as classes de tarifa (não especifica se são as classes apresentadas no site ou as de código de letra que ficam na reserva). A justificativa do autor é que “tarifas apresentadas pelas empresas apresentarem grandes variações, que, para o usuário, são injustificáveis, gerando um grande descontentamento […]”




O erro já começa na justificativa: realmente existem grandes variações, até porque o serviço aéreo não é algo tangível e só é entregue quando feito em sua totalidade, mas as variações não são nada “injustificáveis”. Começa por algo que o próprio autor do PLS cita: a liberdade tarifária que começou em 2001 e é grande responsável pela popularização do transporte aéreo no Brasil, a moldes que aconteceu na Europa e EUA décadas antes.

Esta liberdade vem com a regra básica do mercado de Oferta x Demanda. A demanda não é necessariamente a efetiva compra do produto/serviço, e sim o interesse na compra do mesmo, por este motivo quantos mais pessoas pesquisam por aquela a passagem, maior a chance de a classe tarifária mudar. É assim na maioria do globo.

É a precificação dinâmica como relatado na justificativa da PLS, é algo usado inclusive em compra de ingressos para shows, jogos e etc. O senador relata que “causa desconforto” mas não cita qual desconforto seria. Por fim a verdade sai à tona: “[…] gerando um grande descontentamento, principalmente, quando se trata de remarcação ou reembolso do bilhete não utilizado para a data contratada.”

Como se nota, não é o mercado livre que incomoda muito, e sim as taxas de remarcação e reembolso, que são menores nas tarifas mais altas e que possuem mais benefícios. Aí que fica claro: a real intenção do projeto é limitar o preço da tarifa mais cara e flexível, que via de nota, é mais utilizada por empresários que tem vários compromissos ou mesmo por políticos que criam agenda em cima da hora.




Isso além de ferir o princípio de liberdade econômica tem um texto vago, que abre precedentes para que o governo ou a ANAC decidam o que é classe tarifária e o ao mesmo tempo não consegue atingir seu objetivo final: as aéreas poderiam criar 30, 40, 50 tarifas diferentes, respeitando a regra dos 50% entre cada.

Vale lembrar que esta regulação proposta fere o próprio artigo que ela modifica (e que por conveniência foi suprimido do texto da PLS). “Art. 49. Na prestação de serviços aéreos regulares, prevalecerá o regime de liberdade tarifária“. Para ver o texto da PLS na íntegra e dar sua opinião sobre a matéria, clique aqui. Já o texto em vigor da lei 11.182, de 2005 está disponível aqui.

Este tipo de regulação não existe nos EUA, Canadá, Europa, Japão, China, Austrália e na maioria dos países do mundo. Já nestes países citados, a legislação tem uma tarifação de impostos menor que a brasileira gerando uma concorrência maior, e logo tarifas menores, algo que realmente beneficiaria a todos.

Vale lembrar que diversos deputados já fizeram propostas e questionamentos parecidos, e apontado exatamente nas rotas que eles voam entre suas cidades e Brasília, como é possível ver aqui aqui que os parlamentares ou não sabem a regra de oferta x demanda ou estão agindo para seu próprio interesse, ou pior: os dois.

Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

Veja outras histórias