Pandemia é o de menos: como a Yemenia faz para voar em tempos de guerra

A Yemenia, assim como qualquer outra empresa aérea no mundo, tem seus problemas diários e luta para se manter em operação no destruidor cenário da pandemia do novo coronavírus. Mas, além disso, tem outra preocupação: sobreviver a mais de cinco anos de guerra civil que assola o Iêmen.

Avião Airbus A310-324 da Yemenia (Yemen Airways)
Airbus A310 da Yemenia. Foto de Kambui via Wikimedia Commons.

O Iêmen é um pequeno país árabe que ocupa a extremidade sudoeste da Península da Arábia. Ele tem fronteira ao norte com a Arábia Saudita, a leste com Omã, ao sul com o mar da Arábia e o golfo de Áden, do outro lado do qual se estende a costa da Somália, e a oeste com estreito de Bab el Mandeb e o mar Vermelho. Além do território continental, o Iêmen inclui também algumas ilhas situadas ao largo do Chifre da África, das quais a maior é Socotorá.

Desde março de 2015, o pequeno país se encontra em guerra civil e dois grupos reivindicam o poder. Os separatistas do sul e as forças leais ao governo de Abd Rabbuh Mansur Hadi, com sede em Áden, enfrentam os Houthis e as forças leais ao ex-presidente Ali Abdullah Saleh.

Se isso não bastasse, a al-Qaeda, na Península Arábica (AQPA), e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) também têm realizado ataques no país, com a AQPA controlando faixas de território no interior e na costa.

Localização do Iêmen – Google Maps

Quem é a Yemenia

A Yemenia foi fundada na segunda metade da década de 1940 como Yemen Airlines. Em 1978, numa iniciativa dos governos da República Árabe do Iêmen e da Arábia Saudita, uma nova empresa foi criada, a Yemenia. O governo do Iêmen detinha 51% da Empresa, com os outros 49% nas mãos do governo saudita.

Em 1990, o país foi unificado, quando o Iêmen do Sul se uniu à República Árabe do Iêmen para formar o Iêmen de hoje. Na época, a Yemenia se fundiu com a South Yemen Airways formando uma única companhia aérea nacional. Para isso, as ações em posse da Arábia Saudita foram compradas pelo governo do Iêmen em 1992. A fusão ocorreu em 1996.

A empresa seguiu passando por mudanças e desenvolvimento, chegando ao estágio atual, quando conta com uma frota composta por 5 aeronaves Airbus, três do modelo A320-200 e outras duas A310-300.

Mas, no passado, dentre as aeronaves já operadas pela empresa figuram Airbus A310-200, A310-300, A320 e A330-200; Boeing 727, 747SP, 737-200 e 737-800; de Havilland Canada DHC-6 e Dash 7; Douglas DC-3 e Ilyushin Il-76.

Boeing 747SP da Yemenia (Yemen Airways)
Boeing 747SP destruído no início da guerra. Foto de Simon Boddy via Wikimedia Commons.

Em março de 2015, logo no início da guerra civil, o Boeing 747SP presidencial do Iêmen, que era operado pela Yemenia, foi destruído por tiros de forças leais a Ali Abdullah Saleh. Esse ataque também destruiu um Boeing 737-200, registro TL-ADR, que estava armazenado no aeroporto e que pertencia a CentrAfrique Air Express.

Operações em tempos de guerra

Em recente entrevista ao portal Arabian Aerospace, o presidente da Yemenia, Ahmed Masood Alwani, contou um pouco sobre como é conduzir uma empresa aérea em meio ao caos de uma guerra civil.

“Temos muitos problemas, mas estamos bem”, responde Alwani quando perguntado sobre como sua empresa lidou com mais de quatro anos de conflito em sua terra natal.

A guerra se espalhou por todo o país, tornando impossível, às vezes, a companhia aérea voar da capital, Sanaa e da cidade de Áden, um centro comercial situado no sul.

Como vimos, atualmente a Yemenia possui cinco aeronaves em seu inventário “mas duas são Airbus A310 da geração antiga, difíceis de manter por causa de peças de reposição, etc., portanto estão no chão”, disse Alwani. Uma está estacionada em Áden e a outra no Cairo. “Devemos descartá-las este ano”. As três aeronaves operacionais são os Airbus A320.

Surpreendentemente, dada a ferocidade dos combates nos últimos quatro anos, nenhuma dessas aeronaves da frota atual da companhia aérea foi danificada por ação militar. Isso se deve, em parte, ao fato de a empresa ter mudado suas principais bases operacionais para o Cairo, no Egito, e Amã, na Jordânia, em vez de manter as aeronaves no Iêmen.

“No entanto, o aeroporto de Áden foi severamente danificado pelos combates e, a certa altura, ficou fechado por três meses, com o equipamento terrestre danificado”, conta Alwani.

A Yemenia continua a operar voos diários para Áden da capital egípcia (a cidade do Cairo), e três vezes por semana de Amã, na Jordânia. Também opera ligações entre Áden e Jidá, Riade, Cartum e Mumbai. Além disso, opera diariamente a partir da cidade iemenita de Seiyun ao Cairo, Jidá e Amã.

Muitos passageiros, especialmente aqueles que voam para o Cairo e Mumbai, estão viajando para tratamento médico. Outros simplesmente querem sair do Iêmen por um tempo para descansar da tensão. E, com um grande número de iemenitas residentes em outros lugares no Golfo e nos EUA, há um fluxo constante de pessoas que visitam a família em seu país natal.

Avião Airbus A320 da Yemenia (Yemen Airways)
Airbus A320 – Imagem: Yemenia.

A prestação de serviços no Iêmen fica mais difícil, pois a empresa não possui um horário fixo. Suas operações dependem da permissão que lhe é dada diariamente. Os serviços dentro e fora do Iêmen estão limitados a uma janela diária de 10 horas, entre as 6h e as 16h. Às vezes, a Yemenia tem possibilidades de obter extensões para esta janela, mas isto é extremamente difícil.

“Manter a companhia aérea voando deve-se, inteiramente, aos esforços dos funcionários e ao seu senso de dever de manter ligações com o mundo exterior”, disse Alwani. “Como Yemenia, estamos trabalhando para o povo iemenita”.

Nenhuma outra companhia aérea está disposta a correr o risco de voar para o Iêmen durante o conflito. Isso significa que a equipe da transportadora sentiu o peso da responsabilidade em manter os vínculos abertos com o mundo exterior.

“Aceitamos o risco e continuamos”, disse Alwani. “Aceitamos o risco e o benefício do risco”.

O conflito contínuo dificulta a renovação da frota por parte da companhia aérea. Ela possui um contrato de compra com a Airbus para dez novos A320, recebeu dois, mas os oito restantes estão pendentes.

“Temos um acordo com a Airbus, mas com esta guerra não podemos nos comprometer a continuar. Também não podemos financiar novas aeronaves”, afirmou o presidente. Em vez disso, a Yemenia está analisando o mercado de aeronaves usadas e planeja adquirir outro A320.

Manter a frota existente no ar seria ainda mais difícil se a empresa não tivesse um contrato de “pool” para peças de reposição com a companhia aérea alemã Lufthansa.

Alwani e sua equipe só podem esperar que um acordo de paz seja assinado em breve. Até lá, eles garantirão que a Yemenia continue sendo uma “tábua de salvação” para ligar o país ao mundo exterior.

Veja outras histórias