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Pilotos do Boeing 767 da Amazon que caiu fizeram ações opostas nos controles

O Departamento de Segurança dos Transportes dos Estados Unidos, o NTSB, indicou nessa quinta-feira, 19 de dezembro, que enquanto o comandante do Boeing 767 tentava levantar o nariz do avião, o primeiro-oficial agia no sentido contrário.

Avião Boeing 767-300F Amazon Atlas
Boeing 767 nas cores da companhia aérea da Amazon

Segundo a Forbes, o NTSB divulgou que o primeiro-oficial (co-piloto) do voo de carga da Amazon Air que caiu no Texas em fevereiro parecia confuso, gritava que o avião havia estolado nos últimos momentos e colocou o Boeing 767 em um mergulho acentuado.

A investigação ainda informa que o primeiro-oficial falhou nas avaliações de proficiência durante seu treinamento na Atlas Air, que operava o voo da Amazon Air, bem como em seu trabalho anterior na Mesa Airlines. Ele também teve problemas nos treinamentos em outras duas companhias aéreas, que ele ocultou quando se candidatou à Atlas, alegando que estava fazendo trabalhos imobiliários freelancers e tendo aulas na faculdade durante esse período de tempo.

A sequência dos fatos do acidente

O NTSB divulgou mais de 2.000 páginas de documentos de sua investigação sobre o acidente ocorrido em 23 de fevereiro de 2019 no voo 3591 da Atlas Air, que ia de Miami a Houston, mas ainda não emitiu conclusões sobre como ou por que o acidente ocorreu. No entanto, os relatórios factuais levantam questões sobre treinamento e monitoramento de pilotos na Atlas Air.

O Boeing 767 estava descendo na aproximação para pouso no Aeroporto Intercontinental George Bush quando o primeiro-oficial, Conrad Aska, disse que a Display Primário de Voo (PFD) não estava funcionando corretamente e transferiu o controle para o comandante Ricky Blakely.

Mais tarde, ele disse que havia um problema com o Indicador do Diretor de Atitude/Indicador de Situação Horizontal (ADI/HSI), que informa aos pilotos qual o ângulo do avião em relação ao horizonte.

O comandante Blakely devolveu o controle a Aska depois que eles avaliaram que o indicador estava funcionando corretamente novamente, e eles começaram a preparar o avião para sua aproximação enquanto desviavam de uma tempestade.

FlightRadar24 Voo 3591 Atlas Amazon Queda 767
Trajetória do Boeing 767 até a queda – Imagem: FlightRadar24

Apesar do desvio, o avião enfrentou turbulência e, cinco segundos depois, um minuto antes do impacto, o botão que ativa o sistema de arremetida automática, que deve ser usado quando os pilotos optam por abortar uma aterrissagem, foi acionado. Ele aumenta automaticamente a potência para permitir que a aeronave tenha velocidade enquanto volta a ganhar altitude.

No entanto, a ativação pode não ter sido intencional – as gravações mostram que os pilotos não fizeram menção ao início de uma arremetida.

Possível desorientação espacial

Os investigadores do NTSB suspeitam que Aska possa ter ficado desorientado enquanto o avião estava em meio às nuvens, de forma que a aceleração do aumento da potência o levou a considerar que o nariz do avião estava muito alto, levando-o a acreditar que o avião estava em estol.

Seis segundos depois que o botão de arremetida foi ativado, ele apontou o nariz do avião para baixo em um ângulo agudo de 49 graus.

O primeiro oficial expressou surpresa com a velocidade do avião, de acordo com uma transcrição do gravador de voz do voo. “Whoa, [onde está] a minha velocidade, minha velocidade”, disse Aska, seguido por sons de batidas no cockpit. “Estamos estolando. Estol.”

O gravador de dados de voo mostra que Blakely começou a puxar a coluna de comando enquanto Aska apontava o avião para baixo. Aska apenas passou a tomar a mesma atitude do comandante depois que o avião passou para a parte inferior das nuvens, a cerca de 3.500 pés (1000 metros) de altura. Mas, mergulhando em direção ao solo, era tarde demais para se reverter a situação.

Nos momentos finais, Aska diz: “Senhor, tenha piedade.” Um comandante da Mesa Airlines, Sean Archuleta, que estava pegando uma carona no assento extra, grita: “pare”, então Aska diz: “Oh, Deus, Senhor, você tem minha alma.”

NTSB Crash Site Queda 767 Prime Air Amazon
A aeronave ficou completamente desintegrada com a força do impacto

A última velocidade gravada no avião foi de 433,5 nós (800 km/h), e imagens de câmeras de segurança mostram que ele ainda estava descendo em um ângulo acentuado quando mergulhou no pântano a 3 quilômetros de Anahuac, no Texas.

Veja a alta velocidade da aeronave durante o mergulho nos dois vídeos a seguir, gravados em diferentes locais:

Falta de comunicação no cockpit

Keith Mackey, consultor de segurança de voo da Flórida, ex-piloto e investigador de acidentes, alerta que as informações divulgadas pelo NTSB são preliminares, mas ele diz que elas mostram um retrato de uma quebra de comunicação sem precedentes entre dois pilotos que estavam operando propósitos cruzados.

A situação é bastante semelhante ao também trágico acidente da Air France na rota Rio de Janeiro – Paris, quando os pilotos do voo 447 davam comandos opostos nos sticks de controle enquanto a aeronave afundava em estol rumo ao oceano.

Entre as perguntas que os investigadores procurarão responder, Mackey cita: se Aska acidentalmente apertou o botão de arremetida ao pegar as manetes de potência ou se ativou-o intencionalmente, e se o indicador de atitude de que ele havia se queixado anteriormente ainda estava com defeito, aumentando sua confusão.

O histórico do piloto

Aska, que tinha 44 anos, ingressou na Atlas Air em 2017 a partir da companhia aérea regional Mesa, onde não havia conseguido a promoção de comandante de um jato regional Embraer 175 depois de receber uma classificação insatisfatória em duas sessões de simulador de voo.  

Dois comandantes da Mesa que avaliaram Aska disseram ao NTSB que ele ficava perturbado ao encontrar situações inesperadas no treinamento. O comandante Leigh Lawless disse que ele “cometia erros frenéticos” e “começava a apertar muitos botões sem pensar no que estava pressionando”.

Aska não conseguiu terminar o treinamento em outras duas companhias aéreas americanas. Ele deixou a Air Wisconsin após quatro meses de treinamento para o posto de primeiro-oficial dos jatos regionais Bombardier CRJ. O NTSB diz que na ocasião ele citou razões pessoais para a saída.

Em 2011, ele renunciou após um mês na CommutAir devido à “falta de progresso no treinamento” para se tornar o primeiro-oficial do turboélice regional De Havilland Canada Dash 8, diz o relatório.

Após um acidente da Colgan Air em 2009, o Congresso exigiu que a Administração Federal de Aviação (FAA) estabelecesse uma câmara de compensação, incluindo registros da FAA e do empregador sobre os pilotos, para ajudar as companhias a examiná-los, mas ainda não concluiu o processo.

A trajetória como piloto da Atlas

Atlas Air 747-400 Passageiros

Depois de ingressar na Atlas Air em julho de 2017, o treinamento de Aska para pilotar um 767 não correu bem.

Ele foi obrigado a submeter-se a 4,5 horas de instrução corretiva antes de poder fazer um exame oral. Mas, em seguida, foi retido por quatro horas adicionais de treinamento corretivo em um simulador de base fixa, antes de poder prosseguir para o treinamento de simulador de voo que possui sistemas de movimento para replicar melhor a sensação de voar.

Após duas sessões, um colega que fazia o treinamento junto com Aska reclamou que ele estava atrapalhando seu avanço. Então, seus instrutores decidiram reiniciar o treinamento de Aska em simulador de voo desde o início.

Ele falhou em seu exame prático de classificação de tipo para o Boeing 767, diz o NTSB, “devido ao desempenho insatisfatório no gerenciamento de recursos da tripulação, gerenciamento de ameaças e erros, aproximação sem precisão, curvas acentuadas e julgamento”.

Após o treinamento corretivo, ele passou, mas os fatores operacionais do NTSB relatam questões sobre por que a Atlas Air não o colocou em um programa de observação de proficiência de seis meses, exigido pela FAA, para treinamento e rastreamento corretivos.

O comandante responsável pela frota de aviões Boeing 747 e 767 da Atlas Air disse aos investigadores do NTSB que ele atribuiu o mau desempenho do piloto ao nervosismo e, considerando as lacunas em seus problemas de treinamento e problemas familiares que estava enfrentando, decidiu apenas ficar de olho em seu desempenho.