Principais desafios para a compra da LATAM pela AZUL, se ela ocorrer

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ANÁLISE
Desde o início da semana, circula pela grande imprensa e pelo mercado de capitais os rumores de uma possível compra da LATAM pela AZUL. Embora não impossível, há muitos desafios a serem traspassados para que isso ocorra.

Depois do anúncio de um acordo codeshare entre as empresas no mês passado, começaram os rumores sobre uma fusão ou compra de uma por outra. O mercado ficou agitado nos primeiros dias, mas depois se acalmou. E assim continuou, até o Bradesco publicar, nesta última semana, um relatório que considera como “o cenário mais provável” a compra da LATAM Brasil por sua rival AZUL Linhas Aéreas.

Entre as justificativas, o banco cita uma frase que, segundo a LATAM, não foi dita por Jerome Cadier, seu CEO, mas que ganhou notoriedade após ter sido divulgada pela CNN e criticada pela própria LATAM.

Discursos à parte, embora possível, há desafios para que isso aconteça, já que a LATAM está em Recuperação Judicial nos EUA e a AZUL não está com disponibilidade de caixa, ambas por conta da pior crise da aviação mundial. O banco, no entanto, não entra no mérito do caixa, mas cita uma troca de ações como o conector das empresas.

Mas, além da parte financeira, mercadológica e especulativa, existem alguns motivos mais técnicos e interessantes que podem desafiar a compra ou fusão das empresas. Vamos listá-lós a seguir.

Cultura

As duas empresas possuem culturas muito distintas, sejam operacionais ou no atendimento ao cliente. A LATAM é uma empresa que tem adotado, em parte, práticas comuns a empresas de baixo-custo, iniciando vendas à bordo, focando em promoções, voando com aviões em configurações mais densas e simplificando seu produto.

Já a Azul vai na outra direção: investe em serviço de bordo, em entretenimento a bordo com TV e Wi-Fi, maior espaço nas aeronaves, possui um programa de pontuação que é de mais fácil “ascensão” que o da LATAM e dá mais benefícios a partir de níveis mais baixos.

Toda esta filosofia da Azul é focada em conquistar e fidelizar o cliente. Claro que isso tem um preço e a empresa acaba conhecida por ter as maiores tarifas do setor.

Este confronto de culturas é sempre um desafio, já que os funcionários teriam que se adaptar e haveria custos para adequação, o que no final acabaria por virar uma nova cultura, ainda que o nome de uma das duas companhias prevalecesse e o outro sumisse.

Salários

Foto de BjornPilot

Um ponto tratado sigilosamente em fusões ou compras é a folha de pagamento. A Azul tem os salários mais baixos para tripulantes de voo e outros funcionários, historicamente, segundo dados de mercado. Faz parte da filosofia da empresa, que busca compensar ao profissional oferecendo-lhe maiores oportunidades de crescimento.

Isso já resultou em problemas no passado, sobretudo quando a TRIP foi comprada, seus pilotos e comissários de ATR tinham salários maiores do que os da Azul, o que deu início a um “conflito interno”. A Azul queria absorver todos os funcionários, mas não queria manter os salários da TRIP, e sim o que já pagava para seus tripulantes. Após muita discussão, subiram os salários de todos os tripulantes para o nível da TRIP.

Isto foi obrigatório porque a lei brasileira não permite que existam duas pessoas na mesma função em uma empresa recebendo salários díspares, além do que, os tripulantes e o próprio sindicato sempre se colocaram avessos à esta situação.

A recorrência deste conflito pode acontecer no caso da empresa absorver a LATAM, mas em uma proporção muito maior. A LATAM, por sua vez, tem salários mais altos, além de questão de senioridade de alguns funcionários, que estão na TAM/LATAM antes mesmo da Azul sequer existir.

Frota

Frota Azul Viracopos Aniversário 10 Anos
Frota da Azul reunida na festa da 10 Anos em Viracopos

Outro grande ponto a se considerar é a frota das empresas, que também está relacionado com a sua formação. O que de início pode parecer uma solução (afinal de contas, ambas voam Airbus), pode ser, no final, um grande quebra-cabeça para a gestão.

Para começar, os A320 da LATAM são, em maioria absoluta, do modelo Ceo, com motor menos eficiente e diferente dos A320neo da Azul. O mesmo se repete para os A321.

Além disso, para todos os demais modelos há um empecilho extra, a capacidade de passageiros.

A Azul tem os ATR com 70 assentos, os E195-E1 com 118, os novos E195-E2 com 136, os A330-200 com 242 ou 271 assentos, e os A330-900neo com 298.

Na LATAM, os A319 voam com 144 assentos, os Boeings 767-300ER com 221 assentos, os A350-900 com 339 assentos e os 777-300ER com 410 assentos.

Vale lembrar, ainda, que a Azul só opera dois Boeings, os 737-400F, no mercado cargueiro, enquanto no caso da LATAM os aviões da americanos são parte fundamental da frota internacional.

Óbvio que não é impossível e já vimos grandes fusões e aquisições no passado, mas é um pesadelo logístico (e custoso) planejar uma malha, escala de tripulação e comercializar passagens com uma frota tão diversa, além, é claro, dos gastos com manutenção, com treinamento de tripulantes para poderem voar o maior número possível de aviões para facilitar a escala, com compra de equipamentos das mais diversas funções, entre outros.

Hubs

Vista aérea do terminal de Brasília. Imagem: Divulgação / Inframerica.

Por último, mas não menos importante, temos os aeroportos.

A LATAM tem seus principais hubs em Guarulhos e Brasília. Já a Azul, em Viracopos e Confins. E eles se sobrepõem muito atualmente (ao menos, antes da pandemia).

Praticamente toda a malha internacional da LATAM está em Guarulhos, enquanto a Azul mantém a maioria em Viracopos. Embora esta última distribua alguns voos para Confins e para Recife, onde a LATAM nunca concentrou voos, ter operações em Guarulhos e em Viracopos resultaria em sobreposição de mercados, de forma que haveria a necessidade de escolha de um dos dois.

O peso maior fica para Guarulhos, que está muito mais próximo do maior mercado do Brasil, que é a capital paulista, enquanto que Campinas poderia ser apenas um hub secundário, mais fácil para moradores do interior paulista e sul mineiro.

Um outro embate fica em torno de Brasília e Confins, que são os hubs das companhias voltados para voos diretos com o Centro-Oeste e parte do Norte/Nordeste. A sobreposição é grande e somente um grande exercício de sinergia poderia chegar a um denominador que fizesse sentido financeiramente. Possivelmente, seria privilegiada a escolha de um dos dois como hub principal.

Conclusão

Fusão e compras são iguais a um casamento: se não se conhecem o suficiente, pode dar tudo errado | Imagem: Divulgação / Inframerica

Por mais que todos estes aspectos possam ser considerados “pequenos” diante da fatia de 62% que as duas empresas podem ter juntas, são fatores com impacto a serem considerados. A LATAM é maior que a AZUL, mas esta não é uma empresa pequena. Pelo contrário, já tem uma representatividade significativa.

Duas empresas grandes, ao se juntarem, costumam formar uma nova empresa (a própria LATAM é um exemplo disso), de forma que a absorção por completo por apenas uma parte é complicada e trabalhosa.

Os pontos acima são certamente considerados numa negociação e podem, sim, gerar uma barreira. Um dos exemplos mais claros é o salário: a Avianca Brasil tinha o maior salário de todo o país, de forma que, durante seu fracassado plano de Recuperação Judicial, a empresa seria dividida e transformada em Unidades Produtivas Isoladas, as famosas UPIs, nas quais os funcionários teriam novos contratos e novos salários alinhados com a empresa que controlaria a UPI.

No futuro, a UPI seria integrada à companhia aérea compradora de maneira “natural”, sem herdar nenhum passivo de dívida. Por este motivo, AZUL, GOL e LATAM se interessaram muito no modelo, que não deu certo por outros credores e outros fatores.

Logo vale sempre olhar além dos fator dinheiro ou pelo “valuation” baseado no fluxo de caixa futuro. Num caso como esse, nem tudo é dinheiro na mão.

Duas empresas se transformarem em uma é uma espécie de casamento, os dois lados largam suas vidas para começar uma nova, juntos. É necessário não apenas estar “apaixonado”, mas conhecer a pessoa e ter os mesmos objetivos, senão, a chance de acabar em brigas e divórcio é enorme.

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Carlos Martins
Carlos Martins
Fascinado por aviões desde 1999, se formou em Aeronáutica estudando na Cal State Long Beach e Western Michigan University. #GoBroncos #GoBeach #2A

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