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Veja o que fez o Boeing 747 raspar os motores no chão ao pousar em Hong Kong em 2018

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Em 30 de agosto de 2018, uma aeronave Boeing 747-400F da companhia aérea Atlas Air, registrada sob a matrícula N415MC, cumpria o voo cargueiro de número GTI-8086 que partiu do Aeroporto Internacional Al Maktoum, em Dubai, para o Aeroporto Internacional de Hong Kong, mas sofreu um incidente em seu pouso.

O Boeing 747 arrastando os motores na pista – Imagem: AAIA Hong Kong

Logo após o toque na pista 25R de Hong Kong, a aeronave primeiro desviou para a direita e depois para a esquerda da linha central da pista. Cerca de cinco segundos depois, inverteu abruptamente o movimento em direção à linha central da pista.

Conforme a aeronave desviou para a direita, ela também rolou (abaixou a asa) para a direita, de modo que as partes inferiores das naceles dos motores nº 3 e nº 4 (interno e externo da asa direita, respectivamente) fizeram contato com o pavimento antes que a aeronave fosse realinhada com a linha central da pista.

As seções inferiores das naceles dos dois motores foram danificadas, mas não houve incêndio nos motores ou indicações anormais nos instrumentos. A aeronave taxiou normalmente até o pátio de carga.

Motor nº 3 danificado – Imagem: AAIA Hong Kong

Motor nº 4 danificado – Imagem: AAIA Hong Kong

Diante da ocorrência, foi aberta uma investigação pela Autoridade de Investigação de Acidentes Aéreos (AAIA) do Governo de Hong Kong, que nesta semana terminou com a publicação do relatório final, apontando mais detalhes sobre a ocorrência e as causas apontadas como prováveis. Acompanhe a seguir.

Histórico do voo

O tempo de voo entre Dubai e Hong Kong foi de cerca de 8 horas e 12 minutos. O piloto voando (Pilot Flying – PF), que ocupava o assento esquerdo, estava passando por um check de linha.

Antes do início da descida, o piloto de monitoramento (Pilot Monitoring – PM) no assento à direita era o comandante do check de linha. Atrás deles estavam dois tripulantes ocupando as estações de observadores dentro da cabine de comando.

No toque na pista 25R às 11:53, horário local, a aeronave primeiro desviou para a direita da linha central da pista, depois reverteu abruptamente para a esquerda da linha central e inclinou abruptamente para a direita da linha central novamente.

A inclinação para a direita fez com que a asa direita se abaixasse tanto que a parte inferior das naceles dos motores nº 3 e nº 4 atingiram a pista. A aeronave finalmente se realinhou com a linha central da pista e taxiou até o pátio de carga.

Obs: caso queira ver um exemplo prático semelhante, mas no qual o 747 arremeteu e que foi gravado em vídeo, clique aqui para rever uma matéria que publicamos anteriormente.

Fatores meteorológicos

O relatório meteorológico do aeródromo (METAR) para Hong Kong às 11:30 indicou que a direção do vento era de 180 graus com variação de 150 graus a 220 graus. A velocidade do vento era de 17 nós, com rajadas de 28 nós.

A visibilidade era de 10 quilômetros ou mais. Havia poucas nuvens a 1000 pés acima do nível do mar e nuvens dispersas a 2300 pés. A temperatura do ar era de 29 graus Celsius e o ponto de orvalho era de 25 graus Celsius.

Não houve diferenças significativas no METAR das 12:00. O Serviço Automático de Informação de Terminal (ATIS) às 11:37 previu que poderia haver vento forte e turbulência moderada na pista 25R. O vento era de 190 graus a 18 nós.

A análise dos dados de voo registrados indicou que no momento do toque não havia tesoura de vento (windshear) ou outro aviso do EGPWS (sistema que alerta sobre riscos de impacto com o solo). A direção do vento e a velocidade do vento capturadas nos dados de voo foram de 200 graus (50 graus da esquerda da linha central da pista) e 17 nós.

No entanto, a direção do vento foi registrada apenas uma vez a cada 4 segundos, o que é inadequado para a análise das condições de vento predominantes.

De acordo com os dados de vento da zona de toque na pista 25R, entre 11:54 e 11:55, a direção do vento estava entre 154 graus e 171 graus. A velocidade do vento estava entre 13 nós e 17 nós, com rajadas entre 25 nós e 30 nós. Acreditava-se que essa era a condição de vento que a aeronave experimentou no pouso.

Gravadores de voo

As gravações do CVR (Gravador de Voz do Cockpit) indicaram que durante todo o voo a tripulação se comunicava plenamente, discutindo a situação e observando procedimentos, briefings e listas de verificação de maneira profissional.

Um histórico de tempo de parâmetros relevantes do FDR (Gravador de Dados de Voo) para a aproximação final e rolagem de pouso mostrou que, até cerca de 10 segundos antes do toque, a direção do vento era geralmente do sul (direção real de cerca de 200°), com uma velocidade do vento que variava de cerca de 17 a 20 nós.

A taxa de descida foi mantida principalmente em uma média de cerca de 900 pés/minuto (fpm) até pouco antes do início do flare (arredondamento da aeronave para o toque), mas houve uma variação momentânea para 330 fpm e para 1320 fpm a 450 pés de altitude.

A aeronave foi “caranguejada” (deriva negativa) contra o vento cruzado esquerdo com um ângulo de cerca de 7 graus durante a aproximação.

Análise de dados de voo

A análise dos dados do FDR indicou que os sistemas da aeronave funcionaram de acordo com o projeto. Nenhuma anomalia de sistema foi observada. As fases de decolagem e cruzeiro do voo não tiveram problemas e foram conduzidas de acordo com os procedimentos da empresa aérea. Não houve complicações encontradas durante o voo.

Os dados do FDR mostraram os controles posicionados em neutro no início do flare. Depois de alguns segundos no flare, o pedal do leme inicialmente foi desviado contra o vento (esquerda), depois a favor do vento (direita) com o manche virado abruptamente para o vento (esquerda). Então, variou para a direita e novamente para a esquerda antes do touchdown (toque no solo).

Um ângulo de “caranguejo” (tecnicamente, ângulo de guinada) de 6 graus estava presente no toque.

No toque, comandos de pedal direito e roll (manche) para a direita foram feitos. A aeronave guinou para a direita a 255 graus, ou 5 graus à direita da linha central da pista, e fez uma rolagem (abaixamento da asa) à direita de até 3,2 graus. Essa atitude durou cerca de 2 segundos.

Em seguida, foram feitos comandos substanciais do pedal esquerdo e de manche para a esquerda. No entanto, esses comandos foram exagerados e a aeronave virou à esquerda em um rumo de 236 graus (14 graus à esquerda da linha central da pista) com uma rolagem à esquerda de cerca de 4,6 graus. Este momento durou cerca de 5 segundos.

Dois segundos antes de atingir o rumo de 236 graus, foram feitas entradas substanciais de comando do pedal direito e do manche para a direita, e a aeronave virou para à direita. Quando o rumo da aeronave atingiu 245 graus, atingiu a rolagem máxima à direita de 5,6 graus.

Acreditava-se que, neste ponto, os efeitos combinados da guinada para a direita e de rolagem para a direita causaram uma queda significativa da direita asa. Como resultado, a parte inferior dos motores nº 3 e nº 4 atritaram fortemente na pista e deformaram-se localmente. Depois disso, a atitude da aeronave acabou voltando ao normal.

Com base nas várias informações meteorológicas, considera-se que a direção e a velocidade do vento não eram um problema significativo para o controle da aeronave durante e após o pouso. A partir dos dados registrados, fica claro que a aeronave respondeu corretamente às entradas de controle da tripulação.

A virada e a rolagem da aeronave foram provavelmente devido a uma série de comandos incorretos do leme (comandado pelos pedais) e do aileron (comandado pelo manche) após o toque na pista.

Análise da Boeing

A Boeing indicou que o Manual de Treinamento de Tripulação de Voo (FCTM) do 747-400 inclui os critérios publicados da Flight Safety Foundation (FSF) para voar em uma aproximação estabilizada.

Esses critérios recomendam que um go-around (arremetida) deve ser iniciado se a aproximação se tornar instabilizada abaixo de 1000 pés acima do solo para condições meteorológicas por instrumentos (IMC) e abaixo de 500 pés para condições meteorológicas visuais (VMC).

Os dados mostraram que a aproximação estava fora das diretrizes de uma aproximação estabilizada, com velocidade vertical instável, velocidade no ar excessiva e manobras excessivas na tentativa de manter a trajetória de voo desejada.

Abaixo de 500 pés de altitude de rádio, o avião não aderiu a três dos critérios de aproximação estabilizada recomendados. Esses critérios não atendidos são resumidos a seguir.

– apenas pequenas mudanças no rumo e inclinação são necessárias para manter a trajetória de voo correta;
– o avião deve estar na velocidade de aproximação. Desvios de +10 nós a -5 nós são aceitáveis ​​se a velocidade no ar estiver tendendo para a velocidade de aproximação;
– taxa de afundamento não deve ser maior que 1.000 fpm; se uma aproximação requer uma taxa de afundamento superior a 1.000 fpm, um briefing especial deve ser realizado.

Após o toque, entradas de controle grandes e dinâmicas através do pedal do leme e do manche de controle fizeram com que a aeronave se desviasse do nível das asas e se afastasse do rumo da pista.

Em um ponto, cerca de 10 segundos após o toque, os comandos atingiram a deflexão total na mesma direção, o que contribuiu para o desenvolvimento do ângulo de rolagem para a direita e levou ao impacto das naceles.

O ângulo de inclinação após o toque atingiu 4,6 graus para a esquerda, então mudou abruptamente para 5,6 graus para a direita devido às entradas de controle, uma mudança de 10,2 graus com uma taxa de rotação de 10 graus/segundo.

Os contatos com o solo das naceles dos motores nº 3 e nº 4 provavelmente ocorreram aproximadamente 10 segundos após o toque, quando o ângulo máximo da rolagem para a direita foi atingido.

Uma arremetida teria sido justificada assim que os critérios de aproximação estabilizada foram excedidos.

Análise da Atlas Air

A Atlas Air também conduziu uma investigação interna deste evento. Antes do início da descida, a PF conduziu um briefing de aproximação com todos os pilotos presentes, incluindo o clima, pista planejada, possíveis ameaças e considerações de desempenho – eles estavam em um avião leve (sem carga), portanto, o desempenho durante uma arremetida, se necessário, exigiria atenção extra.

O briefing do PF foi seguido por referência ao guia de briefing do Manual de Referência Rápida (Quick Reference Handbook – QRH) para cobrir todos os itens necessários. A aproximação foi realizada manualmente pela PF seguindo o Diretor de Voo da aeronave sem problemas.

O PF teve um ângulo de guinada constante durante a descida na aproximação final. Na curta final, o PM notou que os ângulos estavam um pouco exagerados, mas ainda dentro dos limites de pouso.

Enquanto a aeronave desceu para a altitude de 50 pés e o flare começou, o PM percebeu que eles ainda estavam em um ângulo de guinada. Ele verbalizou “traga o nariz” [para a esquerda e linha central].

Após o touchdown, o PF provavelmente estava reagindo à evolução da situação conforme estava acontecendo; o PM estava tentando recuperar o controle da situação.

A aeronave, então, virou abruptamente para a direita, a asa direita abaixou e provavelmente os motores nº 3 e nº 4 entraram em contato com a pista enquanto a aeronave virava em direção à linha central.

O evento durou aproximadamente 16 segundos. A tripulação recuperou a linha central quando a aeronave começou a desacelerar abaixo de 90 nós. A aeronave taxiou para o pátio sem problemas.

Análise da AAIA

De acordo com a análise dos dados de voo, a entrada do piloto nos controles estava cerca de 2 segundos atrasada em relação ao controle direcional da aeronave. Cada entrada foi para o desvio lateral anterior e o piloto em um ponto corrigiu excessivamente com a deflexão total do leme para a esquerda, quando a aeronave então guinou para a esquerda.

É possível que o PF não estivesse familiarizado com as técnicas de “descaranguejar” uma aeronave pouco antes do toque em pouso com vento cruzado.

Fatores humanos – Fadiga

O PF não descansou depois que a aeronave decolou de Dubai. Antes do início da descida, o comandante do check de linha, que estava em descanso, retornou à cabine de comando para liberar o PF para descanso. O PF afirmou que não precisava de descanso e estava bem para continuar voando.

Quando o PF foi questionado por que não descansava, ele informou que estava conversando com os outros dois tripulantes do cockpit e não sentia que estava cansado ou precisando de descanso. O PF também afirmou que quando descansava, muitas vezes isso contribuía para que adoecesse ou pegasse um vírus, e ele não queria ficar doente após o voo.

A Atlas Air informou que, antes da entrevista do PF à investigação, nunca tinha ouvido essa justificativa ou recebido qualquer relatório (do PF ou de qualquer outro membro da tripulação) indicando que este era um problema.

Fatores humanos – Gerenciamento de recursos da tripulação (CRM)

Antes do início da descida, o PF e o PM não discutiram a técnica de pouso com vento cruzado ou o que seria esperado durante o pouso. O PF havia se preparado mentalmente para um pouso caranguejado, ou seja, mantendo a aeronave guinada até o toque.

O PF afirmou que normalmente utiliza o “Método Europeu” que é pousar caranguejado. Ele aprendeu a técnica quando trabalhou com um operador europeu. Pousar caranguejado era sua técnica de vento cruzada preferida e a que ele utilizava regularmente.

Depois que o comandante do check de linha verbalizou ainda no ar “traga o nariz” [para a esquerda e linha central], o PF lembrou que era seu Check de Linha Anual (ALC) e imaginou que o comandante do check queria ou esperava que ele diminuísse a guinada antes do toque.

O PF seguiu a orientação do comandante e tentou alinhar o nariz com a linha central. A mudança repentina no método de pouso do PF provavelmente contribuiu para a maior flutuação da aeronave durante a manobra de flare. À medida que a aeronave flutuava, ela começou a se desviar na direção do vento e à esquerda da linha central da pista.

Durante as entrevistas da Atlas Air, o comandante do check de linha indicou que presumia que um comandante experiente não teria problemas para pousar nas condições relatadas. Além disso, o comandante assumiu que o PF utilizaria o método de vento cruzado de “descaranguejar” antes do pouso, recomendado no manual FCTM da Boeing FCTM.

Conclusões

O relatório da AAIA apresenta a seguinte sequência de conclusões sobre a análise do incidente:

– Não havia nenhuma evidência de falha da aeronave ou mau funcionamento de sistema conhecido antes do incidente;

– O dano na parte inferior dos motores nº 3 e nº 4 foi devido à queda excessiva da asa direita como resultado das entradas de comando do PF;

– Antes do início da descida, o PF e o PM não discutiram a técnica de pouso com vento cruzado ou o que seria esperado durante o pouso;

– O PF havia se preparado mentalmente para pousar caranguejado, que era sua técnica de vento cruzada preferida;

– O PF mais tarde imaginou que o comandante do check de linha esperava que ele baixasse o ângulo de guinada antes do toque. O PF tentou alinhar o nariz com a linha central e fez uma mudança repentina no método de pouso;

– O comandante do check de linha presumiu que um comandante experiente não teria problemas para pousar nas condições relatadas, e o PF utilizaria o método de vento cruzado recomendado do manual da Boeing.

Causas prováveis

O relatório define que os danos às partes inferiores nas naceles dos bocais, dos fans e das carenagens móveis dos reversores dos motores nº 3 e nº 4 foram devido aos efeitos combinados de uma guinada acentuada para a direita e uma rolagem para a direita significativa, correspondentes às entradas de comando exageradas feitas pelo PF.

Fatores contribuintes

Adicionalmente às causas, o relatório aponta os seguintes fatores contribuintes:

– O PF fez uma mudança repentina em sua técnica de pouso com vento cruzado de “caranguejado” para “descaranguejado” antes da final curta, porque ele considerou que o comandante do check de linha esperava um pouso “descaranguejado”;

– Antes do início da descida, o PF e o PM não discutiram a técnica de pouso com vento cruzado ou o que seria esperado durante o pouso.

Informações da AAIA

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