Revelados detalhes do acidente do jato MD-11 da Avient em 2009

Um acidente ocorrido em 2009 com um jato MD-11 da companhia aérea cargueira Avient havia ficado obscuro ao longo destes últimos 11 anos. Agora, detalhes surgiram sobre os resultados das investigações com o trijato, que também já voou no Brasil.

Avião MD-11F Avient
MD-11F da Avient – Imagem: Björn Strey [CC]

As informações foram obtidas com exclusividade pelo The Aviation Herald, um portal amplamente conhecido por seu banco de dados de acidentes e incidentes aeronáuticos.

Como tudo ocorreu há 11 anos

O cargueiro envolvido no acidente foi o McDonnell Douglas MD-11 da Avient Aviation, registrado no Zimbábue sob a matrícula Z-BAV. Ele executaria o voo de número Z3-324 de Shanghai Pudong (China) para Bishkek (Quirguistão) com 7 tripulantes.

Mas, ainda na decolagem, a aeronave ultrapassou o final da pista 35R, de longos 4000 metros (13123 pés) de comprimento, e explodiu em chamas por volta das 08:12 do horário local (00:12Z). Cerca de 50 carros de bombeiros estiveram no local para extinguir os incêndios.

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Todos os ocupantes foram levados para hospitais locais, onde três morreram. Os outros quatro sobreviventes receberam ferimentos graves. Os três mortos e um dos feridos eram cidadãos dos EUA, e os outros três eram da Bélgica, Indonésia e Zimbábue.

Um piloto de Shanghai, testemunhando o acidente, disse que o trem de pouso principal saiu do solo pouco antes do final da pista, mas o avião não subiu mais de três metros, impactou as luzes e as antenas de auxílio à aproximação e caiu logo em frente.

Uma foto do acidente mostra algumas partes superiores das luzes de aproximação danificadas, confirmando o testemunho do piloto.

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Note, ao fundo, parte das estruturas sem as luzes na ponta superior

O MD-11 havia sido anteriormente registrado como N408SH, PR-LGD (Varig Logística) e HL7372 (Korean Air). A Avient Aviation havia recebido o avião apenas 8 dias antes do acidente.

O Conselho de Investigação de Acidentes de Aviação Civil da China, acompanhado pelo NTSB dos Estados Unidos, recuperou as caixas pretas da aeronave, porém, desde aquele ano, nada mais se ouviu falar do caso.

Descobertas recentes

Nos últimos 11 anos, o Aviation Herald tentou várias vezes ter acesso ao relatório final via autoridades chinesas, ICAO e outros recursos, mas não obteve sucesso, até essa sexta-feira, em 28 de fevereiro de 2020.

O portal informa que recebeu um breve resumo em chinês, que inclui as conclusões da investigação do acidente. Entre elas, alguns pontos estão apresentados a seguir.

Manejamento incorreto das manetes de potência

A tripulação não operou corretamente as manetes de potência para que os motores alcançassem o empuxo de decolagem. A aeronave não havia atingido a velocidade Vr no final da pista, portanto, não havia como decolar.

De acordo com os critérios de projeto do MD11, a tripulação precisa empurrar pelo menos duas manetes de potência para além de 60 graus, o que faria a aceleração automática sair do modo “CLAMP” e atingir a potência para a configuração desejada de decolagem, quando então os servomotores empurrariam as manetes para a frente de forma automática.

Mas durante a decolagem do acidente, o comandante não avançou as manetes de potência para mais de 60 graus, portanto, os servomotores não atuaram mesmo com a aceleração automática acionada, permanecendo no modo CLAMP e, assim, o empuxo para alcançar a velocidade de decolagem não foi automaticamente ajustado.

Perda de consciência situacional

Os membros da tripulação perceberam que algo estava errado. De maneira audível, o som do motor era fraco; visivelmente, a velocidade da aeronave era baixa; fisicamente, a pressão na parte de trás do assento era mais fraca que o normal.

Alguém entre a tripulação, possivelmente nos assentos de observadores, sugeriu que a aeronave poderia estar um pouco pesada. A página T/O THRUST (potência de decolagem) nunca apareceu na tela (ela aparece se a aceleração automática está ativada e a configuração CLAMP muda para Thrust Limit).

Em circunstâncias normais, com a aceleração automática ativada, um som de clique ocorreria assim que as manetes atingissem a posição de potência de decolagem, e as alavancas se moveriam para frente automaticamente.

No entanto, a tripulação perdeu completamente a consciência situacional e não percebeu a ausência de toda essa sequência de fatores.

Duas opções certas, uma errada

Quando a aeronave se aproximou do final da pista, três opções estavam disponíveis: rejeitar a decolagem e reduzir as manetes de potência; continuar a decolagem e empurrar as manetes até o limite físico à frente; ou continuar a decolagem e puxar imediatamente o manche.

Um observador pronunciou “rotate” (chamada que indica o momento de puxar o manche para decolar), e o comandante girou a aeronave. Isso mostra que a tripulação reconhecia que havia uma situação anormal naquele instante, mas não identificou rapidamente qual era o erro (as manetes de potência na posição errada), reagindo apenas instintivamente ao comando do observador.

Como a aeronave ainda não havia atingido a Vr (velocidade em que deveria ser pronunciado e efetuado o “rotate”), o MD-11 não seria capaz de decolar.

Reprodução em simulador

Conforme verificado na reprodução em simulador de voo, a decisão de girar foi a decisão errada.

A simulação mostrou que, se a equipe empurrasse as alavancas de empuxo para o máximo quando reconheceu a situação anormal, eles teriam decolado a aeronave em segurança, cerca de 670 metros antes do final da pista.

A simulação também provou que, se a tripulação rejeitasse a decolagem naquele momento, a aeronave teria parado antes do final da pista.

Desvio de procedimentos operacionais

A tripulação não seguiu os procedimentos operacionais padrão para gerenciar a potência na decolagem.

O manual de operações da tripulação estipula que o piloto da esquerda deve avançar as alavancas de empuxo para EPR 1.1 ou 70% N1 (dependendo do tipo do motor) e informar o piloto da direita para conectar a aceleração automática.

Na sequência, o piloto responsável por voar a aeronave empurra as manetes de potência para frente e então verifica se continuam avançando sozinhas através dos servomotores, enquanto o piloto em monitoramento verifica se a aceleração automática está funcionando conforme o esperado, atingindo as configurações de potência de decolagem.

No caso do acidente, o piloto da esquerda não apenas não continuou a empurrar as manetes de potência para a frente, como também pronunciou “configuração de potência” sem motivo, pois não verificou se a configuração de potência de decolagem havia sido alcançada.

Fadiga

A equipe trabalhou 16 horas no trecho do voo anterior. Além disso, um membro da tripulação precisou viajar 11 horas da Europa para Nairobi (Quênia) para chegar ao ponto de partida desse trecho anterior, e outros dois membros da tripulação viajaram 19 horas dos Estados Unidos até o mesmo local.

Esses fatores causaram fadiga a todos os membros da tripulação, o que pode ter afetado a capacidade de raciocinar rapidamente sobre o que estava acontecendo.

Ainda, o co-piloto tinha 61 anos, e seu exame patológico mostrou que ele estava sofrendo de hipertensão e aterosclerose cardiovascular. Sua força física e saúde debilitadas podem ter afetado a tolerância à fadiga.

Um observador sobrevivente disse à investigação em entrevistas pós-acidente que o comandante estava preenchendo formulários e não monitorou a maior parte das ações da aeronave e do primeiro oficial entre a preparação do voo e o início da decolagem.

Proficiência no modelo

O comandante voou com o modelo Airbus A340 por 300 horas nos 6 meses anteriores, um avião que possui sistema de aceleração automática totalmente diferente. Por exemplo, as alavancas de empuxo não se movem sozinhas com mudanças de potência da aceleração automática, o que pode ter levado o comandante a ignorar as manetes paradas no MD-11.

O co-piloto havia sido comandante do MD-11 por cerca de 7 anos, mas não pilotava o modelo há um ano. Ambos estavam fazendo sua primeira operação para a Avient no dia da ocorrência. Os dois pilotos nos assentos de observador não voaram nos 6 meses anteriores.

Murilo Basseto
Murilo Bassetohttp://aeroin.net
Formado em Engenharia Mecânica e com Pós-Graduação em Engenharia de Manutenção Aeronáutica, possui mais de 6 anos de experiência na área controle técnico de manutenção aeronáutica.

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